A ampla cobertura dada por toda a imprensa nestes últimos tempos não deixa mais dúvidas: se, por ventura, já houve tempos em que a privacidade era um direito sagrado, agora deixou de sê-lo. De acordo com uma figura de destaque que ultimamente vem se caracterizando por frases de efeito, mas inequívocas quanto a sua concepção ideológica autoritária, o melhor que se tem a fazer é ficar de boca fechada. Nada de emails, nada de telefonemas: este é o preço a ser pago por aqueles que desejarem manter sua privacidade. E isto sem falar dos muitos outros expedientes destinados a monitorar cada passo de cada uma das pessoas.
Felizmente a imprensa não se contentou em constatar fatos: ela evidenciou os riscos que isto significa em termos de democracia. E, no entanto, além de tudo o que já foi dito sobre as aberrações representadas por todas as formas de espionagem eletrônica, cada dia mais sofisticadas, talvez seja importante não esquecer um efeito aparentemente colateral, mas que de fato é central: com a invasão da privacidade se acaba com a confiabilidade. Em vez de as pessoas serem convidadas a confiarem umas nas outras e nas instituições, acabam se deixando contaminar por um mal que causa tantos ou maiores danos quantos aqueles ocasionados pela invasão da privacidade: a progressiva perda da confiabilidade em tudo e em todos.
Claro que hoje ninguém mais pode ser ingênuo: o mundo está cheio de terroristas, de ladrões e de pessoas mal intencionadas. Entretanto, é justamente nesta certeza que repousa o risco de, ao menos inconscientemente, todos passarem a desconfiar de todos. Neste contexto talvez não faça mal recordar dois princípios: um constitucional e outro bíblico.
O princípio constitucional é o de que toda pessoa deve ser considerada inocente enquanto não se provar o contrário. O princípio bíblico é o de que toda pessoa deve ser acolhida como se fosse um anjo, ou seja, um enviado de Deus. Neste particular convém acenar para alguns episódios e fatos bíblicos. Basta lembrar como Abraão acolheu três homens que chegaram até sua tenda e como depois descobriu que eram mensageiros de Deus com a missão de lhe assegurar o cumprimento das promessas divinas. Outro fato é o de Jesus haver escolhido entre os 12 apóstolos alguns de vida pouco recomendável, além de viver rodeado de pessoas amaldiçoadas pela elite dominante.
Em suma, estamos vivendo um momento decisivo que poderá definir o futuro da nação: aprimorar um dos traços mais característicos da nossa cultura, que é o do espírito de acolhida ou então enveredar definitivamente pela trilha de outras experiências históricas que se revelaram desastrosas: a paranóia da segurança acabou justificando a perda dos valores humanos mais fundamentais.