Meus queridos irmãos, a beleza do conteúdo central dessa Santa Missa está em torno da evangelização – com dificuldades, oposições e muito sofrimento. Por outro lado, assinala-se que a caridade social é inseparável da própria evangelização. Essa é idéia que o nosso servo de Deus Papa João Paulo II colocou em diversos de seus escritos. A caridade social flui, automaticamente, naquele que evangeliza no Espírito de Jesus.
Na primeira leitura de hoje, nós temos, logo, as cenas dos primeiros e fundamentais evangelizadores: os apóstolos, derivando-se diretamente do Evangelizador do Pai, que é o próprio Cristo.
Os apóstolos eram achincalhados, mas, defendidos por Gamaliel. Este, que era o mestre do jovem Paulo na sua procura da verdade, defende os apóstolos como aqueles que poderiam, eventualmente, falar em nome de Deus. Os apóstolos, apesar de estarem falando em nome de Jesus e a mando d’Ele, foram flagelados. Pessoalmente, acho um absurdo; é um tripúdio em cima de um poder que sequer tinham. Eles [discípulos] exultam por terem sido humilhados, machucados por causa da Palavra. É lindo isso; eles não reclamam e continuam fazendo a mesma coisa.
Depois, ao entrar na beleza do Evangelho de São João, lá estão todos os fundamentos da maneira extraordinária de Jesus nos mostrar o Seu amor, que começa com o sinal da Eucaristia: alimentar os sequiosos da Sua Palavra. Neste Evangelho, desdobra-se o pensamento de Cristo, que é tão procurado pelos seguidores d’Ele, fiéis e sequiosos da Palavra e também da realidade do que seria Jesus, que decidiu ir para o outro lado, em Tiberíades. É o caso da atualização da Palavra, dentro do contexto do que vivemos, concreto e real. Porém, aquele povo tinha “fome” também.
Meus irmãos, não basta pensar – e aqui vem a nossa introspecção de pastores – só no pão da Palavra de Deus, há que se inserir também a Palavra vibrante que convence do testemunho da caridade social. Entre esses, que são os propósitos da caridade social, aparece, em primeiro lugar, os que têm fome e sede. Jesus, no capítulo 7, diz: “Todos aqueles que têm fome e sede, venham a mim” (Jo 7,37). Claro que ele fala em fome e sede em outras formas, além da tipicamente material. Aqui se mostra o coração de Cristo, Aquele que o nosso povo, pobre e simples, adora sem mesmo saber o conteúdo bíblico.
A devoção ao Coração de Cristo não é popular apenas, é também seriamente fundamentada da Bíblia, na teologia e na tradição cristã; e começa a ser explícita já no século XIV. Não começou com Santa Margarida Maria, embora ela fosse uma grande propagadora do culto ao Coração de Jesus.
Como vamos entender Jesus? São Paulo foi educado por Ele, pessoalmente, e se vangloria disso. E quando esse grande apóstolo diz: “Meu Senhor, meu Senhor”, ele se comove todo, dizendo que foi ao terceiro céu, levado, não sabe como, e lá lhe foram ditas as coisas que mal apenas conseguia acenar. Para conhecer o mistério do amor de Cristo ou até começar a entender um pouco o mistério do sofrimento, é preciso que sejamos elevados bem mais alto do que normalmente o somos. O sofrimento é tão sublime que nós nunca temos o direito de perguntar a Deus: “Por quê? ou “Por que eu?” Se Deus não se explicasse, nós não O entenderíamos, porque Ele vai além da nossa capacidade racional, ainda que esta seja iluminada pelo Espírito Santo. Daí porque nem para a Sua Santíssima Mãe, Ele explica o porquê da cruz. São Paulo diz que esse é o mistério central [do Cristianismo].
Entender o jeito de agir de Jesus e depois receber o mandato – tendo em nós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus – é um dos maiores desafios. O culto ao Coração de Cristo, divino e humano, tenta nos mostrar, pelos sinais, que são os milagres, na expressão de São João, o que realmente significa o que Ele faz. As maravilhas, sobre as quais Jesus diz nesse capítulo 6, são uma junção de tudo o que Ele tinha ensinado sobre a Eucaristia antes de instituí-la. Um sinal forte disso é a caridade social que Jesus demonstra no espetáculo divino e humano da multiplicação dos pães.
Eu deixo de lado as questões exegéticas do que seriam esses poucos pães que havia ali e que foram distribuídos. Jesus tinha o poder divino de vir em socorro de quem estava na pior e sequioso de segui-Lo, mas havia muitos obstáculos. Era pouco, mas Jesus os multiplicou.
Tenho a impressão de que o nosso amor pelos pobres, famintos e doentes multiplica tudo o que nós seríamos capazes de fazer organizativamente. Qualquer ação se não tiver a força divina, que em certo momento nos impulsiona, além do que conseguimos fazer, não conseguiríamos realizar as maravilhas que a Igreja Católica faz no âmbito da caridade social. A maior glória, além da evangelização, que nós temos é a caridade social.
Alegro-me de que no Rio de Janeiro (RJ), não há uma paróquia que não tenha – e assim creio que no Brasil todo – também a caridade social de múltiplas formas.
Entender o Coração de Jesus, a partir da Sua Palavra, é muito sublime; e Paulo conseguiu isso. Os primeiros discípulos só começaram a crer depois da ressurreição. Agora, ao reconhecer Cristo nos Seus sinais corremos o risco de fazer d’Ele apenas um grande incentivador de tudo o que é bom, um grande profeta, carismático no sentido bíblico. Mas Ele é Deus, e para fazer uma caridade social que seja duradoura, é preciso colocar o signo de Deus. Quando chegamos aos sofredores, aos doentes, o que vale é a nossa verdadeira vontade de estar ali e, se possível, ajudar um pouco. Ainda que seja apenas psicologicamente.
Eu termino dizendo que, na Festa de São Sebastião, no Rio de Janeiro (SP), antes de começar a procissão, eu vou, primeiro, visitar os que sofrem de câncer no INCA (Instituto Nacional do Câncer). Prometi a eles que, em toda oportunidade, eu falaria bem da instituição, porque, visitando as crianças, mesmo que me dando muito sofrimento, detive-me com uma menina de 8 anos, com todas as características de ser quase que amortalhada pelo assédio da medicina, lutando para debelar o mal. Mas a pequena, chamada Marcela, tinha um sorriso tão bonito que era mais do que humano. Então eu disse a ela: “Marcela, você tem um sorriso tão bonito”. O pai e mãe, por ser feriado, estavam ambos ao lado da criança e desandaram em pranto. Ela olhou para a minha cruz [pendurada no pescoço] e disse-me: “Padre, eu gosto muito de Jesus”. Olhando para o lado, completou “e minha boneca também”. Para mim, isso serviu da evangelização mais forte que eu tive no sentido humano.
Sofrendo, à porta da morte, os pais chorando, os médicos não conseguindo mais fazer nada, a menina disse-me: “Mas eu gosto muito de Jesus” e o mundo circunstante também [referindo-se à boneca]. Que Deus nos conceda esta graça. Amém.