Artigo - Frei Moser

Haverá lugar para Deus na vida do empresário?

Houve um período no qual medicina e religião se conjugavam de uma maneira perfeita: o bom médico era religioso. Em seguida veio a conhecida ruptura. Também houve tempos em que os pesquisadores, na trilha de Mendel, mostravam uma reverência religiosa diante da maravilhosa complexidade do que denominamos "vida".

Depois, sobretudo em nosso meio e em nossos dias, há algumas figuras muito bem pagas que fazem questão de afirmar a laicidade não só do Estado, mas também seu ateísmo pessoal, como se a religião pudesse ser um obstáculo para a ciência. Também houve tempos em que ser rico não significava forçosamente haver se apropriado indevidamente dos bens alheios.

Basta pensar na figura simbólica de Jó e na figura histórica de Abraão. Hoje se percebe que São Basílio Magno tinha razão quando sugeria que a riqueza e honestidade dificilmente se conjugam. Estes acenos em várias direções nos garantem que, ao menos teoricamente, Deus pode encontrar lugar em qualquer profissão e em qualquer contexto, desde que as pessoas não se julguem mais do que são: meras criaturas de Deus e meras administradoras de bens que não lhe pertencem, uma vez que são destinados a todos.

Entretanto, quando se tenta associar Deus e empresa, Deus e empresário, as interrogações se fazem bem maiores: como é possível ser empresário bem sucedido acreditar em Deus e, sobretudo agir de acordo com os mandamentos da Lei de Deus? Como pode um empresário ser bem sucedido sem violar aquele mandamento que diz "não se apropriar das coisas dos outros"? Será possível progredir sem dar uma "ajeitada" nos mecanismos de produção, de compra e venda?  E ainda mais: como uma empresa pode crescer sem explorar a força de trabalho dos outros? Bem diz o Evangelho que não podemos servir a Deus e às riquezas ao mesmo tempo… Entretanto, mesmo tendo presentes todos estes questionamentos, ousaria dizer que vida empresarial e Deus não apenas não se excluem, mas se pressupõem. Claro que esta junção de Deus com vida empresarial  deve ser muito bem explicada. 

Existem espertalhões que criaram impérios econômico-financeiros "vendendo" ilusão de prosperidade em nome da religião. Estes certamente deverão se haver com aquela frase de Cristo: "É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no céu". Em segundo lugar há aqueles empresários que, além de burlarem pura e simplesmente as leis, nem pensam em beneficiar seus colaboradores.

Por algum tempo poderão conseguir algum aparente resultado, mas a longo prazo tendem a se dar mal, pois pessoas tratadas como máquinas fazem como se trabalhassem, mas não produzem, ao menos não o quanto poderiam produzir. Um dos segredos do verdadeiro sucesso empresarial consiste em tratar as pessoas como pessoas.

Em terceiro lugar, a presença de Deus se torna imprescindível para o bom êxito da empresa na exata medida em que a empresa não for considerada nela mesma, nem em função dos proprietários, mas em função de um bem social. Ou seja: trabalhar com honestidade; tratar as pessoas com dignidade e pensar no bem de todos são a maneira de criar um espaço para Deus.


Frei Antônio Moser é Diretor Presidente da Editora Vozes, professor de Teologia Moral e Bioética no Instituto Teológico Franciscano (ITF) em Petrópolis – RJ, membro do Conselho Administrativo da Diocese de Petrópolis, Pároco da Igreja de Santa Clara, membro da Comissão de Bioética da CNBB, Presidente da Comissão de Bioética da Universidade Católica de Petrópolis – UCP, além de conferencista no Brasil e no exterior. Escreveu 25 livros e inúmeros artigos científicos para revistas nacionais e internacionais. Além disso, desenvolve intensa atividade pastoral, sendo um dos grandes especialistas brasileiros em Pastoral Familiar e Bioética.

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