Comentário de Padre Raniero Cantalamessa, ofmcap., pregador da Casa Pontifícia, sobre a liturgia deste domingo:
XXVIII Domingo do Tempo Comum [C]
2 Reis 5,14-17; 2 Timóteo 2, 8-15; Lucas 17, 11-19
Para que servem os milagres?
Enquanto Jesus estava em caminho para Jerusalém, ao entrar em uma aldeia, vieram-lhe ao encontro dez leprosos, que pararam ao longe e elevaram a voz, clamando: "Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!". Jesus se apiedou deles e lhes disse: "Ide, mostrai-vos ao sacerdote". Durante o caminho, os dez leprosos ficaram milagrosamente curados. A primeira leitura também fala de uma cura milagrosa da lepra: a de Naamã, o sírio, por obra do profeta Eliseu. É clara, portanto, a intenção da liturgia de convidar-nos a refletir sobre o sentido do milagre e em particular do milagre que consiste na cura da doença.
Digamos antes de tudo, que a prerrogativa de fazer milagres é contada entre as mais testemunhadas na vida de Jesus. Provavelmente, a idéia dominante que as pessoas tinham de Jesus, durante sua vida, além da que ele fosse um profeta, era a de ser alguém que fazia milagres. O próprio Jesus apresenta este fato como prova da autenticidade messiânica de sua missão: "Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam" (Mateus 11, 5). Não se pode eliminar o milagre da vida de Jesus sem desfazer toda a trama do Evangelho.
Junto aos relatos de milagres, a Escritura nos oferece também os critérios para julgar sua autenticidade e seu objetivo. O milagre nunca é, na Bíblia, um fim em si mesmo; menos ainda deve servir para exaltar quem o realiza e exibir seus poderes extraordinários, como quase sempre acontece no caso de curandeiros e taumaturgos que fazem propaganda de si mesmos. É incentivo e prêmio da fé. É um sinal e deve servir para elevar a um significado. Por isso Jesus se mostra tão entristecido quando, depois de ter multiplicado os pães, percebe que não entenderam do que isso era um sinal (cf. Marcos 6, 51).
O milagre aparece, no próprio Evangelho, como ambíguo. Algumas vezes é visto positivamente, em outras, negativamente. Positivamente, quando é acolhido com gratidão e alegria; suscita a fé em Cristo e abre à esperança em um mundo futuro já sem doenças nem morte. Negativamente, quando é solicitado, ou inclusive exigido para acreditar. "Que sinal fazes para que, vendo-o, acreditemos em ti?" (João 6, 30). "Se não virdes sinais e prodígios, não credes", dizia Jesus com tristeza àqueles que o escutavam (João 4, 48). A ambigüidade continua, sob outra forma, no mundo de hoje. Por um lado, estão aqueles que buscam o milagre a todo custo; estão sempre à caça de fatos extraordinários, detêm-se neles e em sua utilidade imediata. No lado oposto, estão aqueles que não admitem nenhum milagre; contemplam-no até com certo incômodo, como se se tratasse de uma manifestação inferior de religiosidade, sem perceber que, dessa forma, se pretende ensinar ao próprio Deus o que é ou não a verdadeira religiosidade.
Alguns debates recentes suscitados pelo "fenômeno Padre Pio" evidenciaram quanta confusão ainda existe com relação ao milagre. Não é verdade, por exemplo, que a Igreja considere milagre todo fato inexplicável (disso, sabemos, o mundo está cheio, e a Medicina também!). Ela considera como milagre somente aquele fato inexplicável que, pelas circunstâncias em que ocorre (rigorosamente comprovadas), reveste o caráter de sinal divino, isto é, de confirmação dada a uma pessoa ou de resposta a uma oração. Se uma mulher que nasceu sem pupilas, em um determinado momento começa a ver, ainda sem pupilas, isso pode ser catalogado como fato inexplicável, mas se isso acontece precisamente enquanto ela se confessa com o Padre Pio, como de fato ocorreu, então já não basta falar simplesmente de "fato inexplicável".
Nossos amigos "leigos", com sua atitude crítica ante os milagres, oferecem uma contribuição belíssima à própria fé, porque se mostram atentos às falsificações fáceis neste campo. No entanto, também eles devem ser contemplados desde uma aproximação acrítica. É igualmente errado acreditar a priori em tudo o que circula como milagroso, como rejeitar tudo a priori, sem se preocupar sequer por examinar suas provas. É possível ser crédulos, mas também… incrédulos, que não é (uma atitude) tão diferente.