Homilia do presidente do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), Cardeal Francisco Javier Errázuriz, na Missa de encerramento da Conferência de Aparecida (SP), nesta quinta-feira, dia 31.
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Queridos irmãos, celebramos esta Eucaristia fazendo memória do acontecimento de Pentecostes. Estamos reunidos com Maria, a Mãe de Jesus, e ainda depois de partir deste Santuário seguiremos vivendo sob o impulso do Espírito Santo, do ardor que Ele nos infunde, da comunhão que Ele forja entre nós e da abundância das carismas e ministérios com que Ele presenteia a sua Igreja. Seguiremos servindo pastoralmente com a urgência das portas do Cenáculo muito abertas, e com o exemplo da pregação de Pedro, cheio de valentia, de confiança e convicção.
Nos inspira esta manhã a festa da Visitação de Maria. Recordamos a Santíssima Virgem, que levando a Jesus em seu seio, apressou-se a visitar a sua parenta Isabel.
Maria missionária
Foi a primeira ação missionária de Maria que nos narram os Evangelhos. Bastou uma insinuação do Anjo Gabriel, e ela se pôs em caminho, apressada, para o lar de sua prima Isabel. Preferiu não aquietar-se em casa, adorando a Jesus recém concebido em seu seio. É claro, nunca teve a tentação de separar o amor a Deus do amor ao próximo. A ambos amores, entrelaçados em sua alma, dedicava-se com todo o coração, com toda a alma e com todas suas forças.
Tampouco a detiveram os perigos do caminho. Maria, cheia de valor, se bem que muito jovem, partiu com o Menino. Como custódia viva, saiu essa primeira procissão de Corpus Christi sustentada pela confiança em Deus e animada pelo amor. Maria missionária saiu de Nazaré, simplesmente para servir. Servia a Deus e serviria a sua parenta necessitada. Tinha tocado sua alma que veio para servir e não para ser servida, e ao instante deixou a Virgem o calor do lar. Optou pelo risco do caminho de Jesus.
Notável é seu ensinamento. Não se entreteve fora da moradia de Isabel. Diz-nos o Evangelho que entrou à casa. Não basta ao missionário uma saudação ao passar, nem as distrações de fora. Tem de entrar mal aberta a porta, como Jesus no coração da humanidade. Entrou e saudou com um efeito admirável. De imediato saltou de alegria o precursor no seio de sua mãe. A alegria e a ação do Espírito Santo são dons inseparáveis da saudação de Maria, por vontade de Deus. Em suas horas de aflição, um prisioneiro num campo de concentração implorava estes dons com uma singela jaculatória: "Saúda-me, Maria!".
Isabel a saúda cordial e humildemente, movida pela fé. Parecia que a estava esperando. Parecia tão só? É uma verdade de impacto: Todos os seres humanos estão esperando por Jesus. Foram criados para ir ao seu encontro e para acolher sua presença e seus dons. É a certeza que podem ter os missionários. Ainda quem os recebem com indiferença ou os recusam, nasceram para encontrar-se com o Senhor: com sua vida, com sua verdade e com seu caminho. Se todos o soubessem: O Senhor é sua luz e sua salvação, seu canto e sua paz!
Maria missionária compartilha com Isabel sua maravilhosa experiência. Está feliz porque o Senhor olhou a pequenez de sua serva e faz grandes coisas a seu favor. Quando o missionário está cheio de gozo e de paz porque encontrou e segue encontrando a Deus em sua própria vida e na história, seu depoimento assombra e contagia. Assim, o discípulo capaz de contemplar a Deus lhe prepara o caminho a Jesus. Perguntar-lhe-ão pelas razões de sua esperança. Quem tem mais sede de Deus, quererão compartilhá-las. No espírito de Nossa Senhora ocorrerá o acordar missionário de nossa Igreja na América Latina e no Caribe.
Maria discípula
Maria missionária acabava de receber o anúncio do anjo na hora da Encarnação do Verbo, tinha vivido uma hora de graça única como discípula de Deus. Já o sabia; se o dizia sua própria experiência: tinha sido escolhida pelo Senhor. Mas se sentia muito pequena, até o ponto de turvar-se ante a saudação do anjo. Assim se estremece a existência do discípulo ante o dom gratuito do chamado de Deus. O anjo acabava de chamá-la por seu próprio nome: "Alegra-te, cheia de graça".
À discípula imaculada lhe era familiar a leitura orante das Escrituras. Esse mundo era sua verdadeira casa. Vivia no espaço interior da Palavra de Deus e da história de aliança de seu povo com Deus, seu Esposo e Benfeitor. Identificava-se com ela. Nessa decisiva, Deus lhe pediu sua conformidade e o dom de sua vida. De sua aceitação obediente dependia o cumprimento dos desígnios de Deus e o bem de seu povo. É o caminho de todos os verdadeiros discípulos do Senhor. Na 'lectio divina' o encontram. Nesse espaço o admiram e o contemplam, escutam-no e conversam com ele, decifram o querer de Deus, convertem-se e lhe respondem: com palavras e com o dom de sua vida, para colaborar com ele.
O diálogo que sustentou com o anjo Gabriel nos entreabre uma janela pela qual podemos assomar-nos à espiritualidade de María, discípula e missionária. Sua sinceridade não conhecia limites. Tampouco sua vontade de colaborar com Deus, seu Esposo e Senhor. Mas como poderia conceber se toda sua vida lhe pertencia virginalmente a seu Senhor? Tanto o discípulo como o missionário precisam a palavra do Anjo, e saber que para Deus não há nada impossível. Desde então, desde a rocha dessa confiança inabalável, em cada uma das circunstâncias de sua vida, sobretudo nas mais difíceis, Maria poderia dizer-se: "Para Deus não há nada impossível, eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo tua palavra". Esta melodia se unia ao Magnificat em seu espírito, tomado de assombro e santidade. Como nenhuma pessoa humana viveu a alegria e a liberdade da doação a Deus para realizar com ele o que vai além de toda expectativa e de todo sonho humano, para abrir com sua graça o espaço interior da nova e eterna aliança, aliança de vida, de amor e de paz.
Comprometida com a vida das pessoas e dos povos
Descrevemos a missão nossa como um envio para que nossos povos nele tenham vida. Participando da missão de Jesus, ninguém como sua Mãe se comprometeu com a vida das pessoas e dos povos. Aqui em seu santuário, ela nos convida a partir e a comprometer-nos determinadamente com a vida.
Nossa cultura sempre foi favorável à vida. As ações de arrancá-la deste mundo, foram recusadas. A Virgem Maria saiu às pressas, a apoiar a sua parenta estéril para que tivesse a felicidade de trazer ao filho tão esperado, o João, a este mundo. E de pressa partiu ao Egito com José, para salvar a vida do Menino, que o poderoso de então, o rei Herodes, queria extirpar. Proclamaremos de maneira convincente que toda vida humana é sagrada, e requer para si um trato digno e enaltecedor. Nos seguiremos opondo à pena de morte, à violência, à tortura, ao aborto, à eutanásia e à lacerante miséria, que não condiz com a dignidade da vida humana, que foi criada à imagem e semelhança de Deus. Nossa opção é a vida para todos, particularmente para os pobres e abandonados. Nosso não à anticultura da morte nasce com força de nosso sim à vida.
É surpreendente a identificação da Virgem com a vida de seu povo. Contempla-a desde os olhos de Deus, e se compromete com ela desde a vontade do Senhor. Com os profetas de seu povo tomou partido a favor dos pequenos e dos famintos, e cantou ao poder de Deus, que tinha derrubado de seu trono aos poderosos e os soberbos. Os pequenos e os famintos procuram a vida e são favoráveis a ela; os segundos a oprimem, destroem-na, e sofrem as conseqüências de não conhecer nem a alegria de serem filhos de Deus, nem a felicidade de serem irmãos. Desde seus tronos e desde seu orgulho, nem vivem, nem deixam viver. A jovem de Nazaré o sabe, e proclama com alegria a grandeza do Senhor. Como pastores e profetas, sendo enviados desde Aparecida, desde esta capital de um povo peregrino, cuja maior alegria é o amor de Deus, trabalharemos para que em nossos povos a relação entre seus habitantes seja realmente fraterna: nas praças e nos lugares de trabalho, nas famílias e nas escolas; sobretudo nas comunidades da Igreja, lugares santos de comunhão e de paz.
Para a Virgem María, uma convicção a urgia. A vida de seu povo era inseparável do amor e da fidelidade daquele que é a fonte da vida. Tinha a experiência da luz que brota do rosto de Deus, do amor incomensurável de Deus, seu Salvador, da compaixão de Javé ante os gemidos de seu povo, da benfeitora sabedoria de seus mandamentos e de seus caminhos, e de seus inumeráveis dons. Para ela, a felicidade consistia em ser Esposa fiel de seu Esposo e Senhor. Por isso, compartilhando a vida de seu povo, a vida verdadeira, a de ser povo de Deus, peregrinava anualmente ao templo de Jerusalém, memória da proximidade e da aliança do Senhor. Partiremos deste lugar santo com este compromisso, prometendo-lhe ao Senhor que com ardor interior faremos tudo o que esteja de nossa parte, para que todos os que o Pai nos confiou, não sofram a ausência de Deus, nem em sua vida, nem em seus lares, nem nos meios de comunicação social, nem em nossas culturas, senão, pelo contrário, tenham a alegria de proclamar: o Senhor é minha luz e minha salvação, minha esperança e meu canto, minha vida e minha felicidade.
A vida que procuramos para nossos povos está intimamente unida ao anúncio missionário de Jesus Cristo, a deixar-nos encontrar cada vez que venha até nós. Ele, a Vida que estava no princípio, venho a nós para que tivéssemos vida em abundância. E a Imaculada chegou a ser Mãe de todos os viventes, porque deu a luz àquele que é nossa Vida. Nossa Senhora se deixou encontrar por ele, e o deu a conhecer aos pastores e aos sábios de oriente.
Uniu seus passos aos seus, e o acompanhou quando entregava sua vida ao Pai no Calvário, para que todos vivêssemos com ele para sempre. Ao partir, oferecemos a Jesus Ccristo nossos corações, nossos sacerdotes e diáconos, as famílias de nossas dioceses, os jovens e os meninos, e lhe oferecemos nosso ministério e nossas iniciativas, para que sempre permaneçam abertos à sua presença e à sua bênção, à sua sabedoria e à dor própria e dos demais, à sua vida e ressurreição. Que a vida que Deus nos dá brilhe na cidade posta sobre o morro, cheia de confiança, de gozo e de paz. Que aceite o envio missionário, e vá a todos os que buscam a felicidade e a paz, a todos os que, ainda sem sabê-lo, buscam a ele, nossa Vida e nosso gozo.
Concluamos nossa meditação recordando com gratidão que a Virgem, em nossa América, abriu caminhos da vida nova em Cristo a Juan Diego e todos os índios de seu povo e de tantas outras comarcas. Peçamos-lhe que se acerque desde seus santuários, como Mãe de Jesus e de nossos povos soberanos, a todos os que têm sede de céu nesta terra. Em seu santuário nos comprometemos a seguir implorando com ela o amor forte e a audácia do Espírito Santo, para permanecer unidos e compartilhar nossa alegria de ser cristãos com todos os que têm sede de vida, sede de fraternidade e de Deus. Amém.