V Conferêcnia

Deputados federais e senadores enviam Carta Aberta aos Bispos

CARTA ABERTA À CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE (V CONFERÊNCIA)

Nós, parlamentares que, na vivência pessoal e de nossas comunidades, professamos a fé em Jesus Cristo libertador, queremos chegar até os bispos reunidos no V CELAM para lembrar um documento marcante na caminhada da Igreja Católica, e cujo 40º aniversário ainda não foi devidamente destacado: a CARTA ENCÍLICA POPULORUM PROGRESSIO (Sobre o Desenvolvimento dos Povos), do PAPA PAULO VI. Lançada na Festa da Páscoa de 1967 e dirigida “aos bispos, sacerdotes, religiosos, fiéis e a todos os homens de boa vontade”, a inspirada encíclica continua atual.

Ali, de forma generosa e profética, com espírito de diálogo e não de anátema, de comunhão e não de interdição, estão explicitados, face à realidade contraditória do mundo, os elementos norteadores da doutrina social da Igreja: a Dignidade da Pessoa Humana, a Destinação Universal dos Bens, o Princípio da Solidariedade, a Primazia do Trabalho sobre o Capital, a Realização do Bem Comum.

Relembramos aqui, para Vossas Eminências, e também, em especial, para a juventude em busca de ideais, alguns pontos daquela carta pastoral – tributária da grandeza de João XXIII e das luzes do Concílio Ecumênico Vaticano II. Fiel ao mandamento maior do amor ao próximo, ela começava por exortá-lo:“os povos da fome dirigem-se hoje, de modo dramático, aos povos da opulência. A Igreja estremece perante este grito de angústia e convida a cada um a responder com amor ao apelo do seu irmão”.

O chamamento da Populorum Progressio igualmente permanece vivo para todos os que aspirem por uma sociedade fraterna, igualitária e sem intolerâncias: “Julgamos ser nosso dever criar entre os organismos centrais da Igreja, uma Comissão pontifícia: Justiça e Paz é o seu nome e o seu programa. Pensamos que este mesmo programa pode e deve unir, com os nossos filhos católicos e irmãos cristãos, os homens de boa vontade”.

Na perspectiva da Justiça, sem a qual não há Paz verdadeira e caminho para a transcendência, reiteramos e assumimos também em nossa vida pública os ensinamentos que se se seguem. Paulo VI deu justo destaque a isso:

Aspiração dos homens:

“Ser libertos da miséria, encontrar com mais segurança a subsistência, a saúde, um emprego estável; ter maior participação nas responsabilidades, excluindo qualquer opressão e situação que ofendam a sua dignidade de homens; ter maior instrução; numa palavra, realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais: tal é a aspiração dos homens de hoje, quando um grande número dentre eles está condenado a viver em condições que tornam ilusório este legítimo desejo”.

Desequilíbrio crescente

“O desequilíbrio aumenta: alguns produzem em excesso gêneros alimentícios, que faltam cruelmente a outros, vendo estes últimos tornarem-se incertas as suas exportações”.

Tomada de consciência cada vez maior

“A violenta inquietação que se apoderou das classes pobres, nos países em via de industrialização, atinge agora aqueles cuja economia é quase exclusivamente agrária: também os camponeses tomam consciência da sua imerecida miséria. Junta-se a isto o escândalo de desproporções revoltantes, não só na posse dos bens mas ainda no exercício do poder”.

Igreja e mundo

“As iniciativas locais e individuais já não bastam. A situação atual do mundo exige uma ação de conjunto a partir de uma visão clara de todos os aspectos econômicos, sociais, culturais e espirituais. Conhecedora da humanidade, a Igreja, sem pretender de modo algum imiscuir-se na política dos Estados, 'tem apenas um fim em vista: continuar, sob o impulso do Espírito consolador, a obra própria de Cristo, vindo ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar, não para condenar, para servir, não para ser servido' (GAUDIUM ET SPES). Fundada para estabelecer já neste mundo o reino do céu e não para conquistar um poder terrestre, a Igreja afirma claramente que os dois domínios são distintos, como são soberanos os dois poderes, eclesiástico e civil, cada um na sua ordem (IMMORTALE DEI). Porém, vivendo na história, deve estar atenta aos sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho".

Visão cristã do desenvolvimento

“O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo, como justa e vincadamente sublinhou um eminente especialista: "não aceitamos que o econômico se separe do humano; nem o desenvolvimento, das civilizações em que ele se incluiu. O que conta para nós, é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira". (Padre Lebret, O.P.)

Dever histórico e comunitário

“Assim como as vagas na enchente da maré avançam sobre a praia, cada uma um pouco mais que a antecedente, assim a humanidade avança no caminho da história. Temos obrigações para com todos, e não podemos desinteressar-nos dos que virão depois de nós aumentar o círculo da família humana. A solidariedade universal é para nós não só um fato e um beneficio, mas também um dever”.

O destino universal dos bens

“Deus destinou a terra e tudo o que nela existe ao uso de todos os homens e de todos os povos, de modo que os bens da criação afluam com eqüidade às mãos de todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade (GAUDIUM ET SPES). Todos os outros direitos quaisquer que sejam, incluindo os de propriedade e de comércio livre, estão-lhe subordinados”.

A propriedade

“Não dás da tua fortuna, ao seres generoso para com o pobre, tu dás daquilo que lhe pertence. Porque aquilo que te atribuis a ti, foi dado em comum para uso de todos. A terra foi dada a todos e não apenas aos ricos" (Santo Ambrósio). Quer dizer que a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto(…) O bem comum exige por vezes a expropriação, se certos domínios formam obstáculos à prosperidade coletiva; não é admissível que cidadãos com grandes rendimentos, provenientes da atividade e dos recursos nacionais, transfiram uma parte considerável para o estrangeiro, com proveito apenas pessoal”.

Capitalismo liberal

“Construiu-se um sistema que considerava o lucro como motor essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como direito absoluto, sem limite nem obrigações sociais correspondentes. Este liberalismo sem freio conduziu à ditadura denunciada com razão por Pio XI, como geradora do 'imperialismo internacional do dinheiro'. A economia está ao serviço do homem (…) Só a iniciativa individual e o simples jogo da concorrência não bastam para assegurar o êxito do desenvolvimento. Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos”.

O trabalho

“Todo o trabalhador é um criador. Debruçado sobre uma matéria que lhe resiste, o trabalhador imprime-lhe o seu cunho, enquanto para si adquire tenacidade, engenho e espírito de invenção. Mais ainda, vivido em comum, na esperança, no sofrimento, na aspiração e na alegria partilhada, o trabalho une as vontades, aproxima os espíritos e solda os corações: realizando-o, os homens descobrem que são irmãos”.

Tentação da violência

“Quando populações inteiras, desprovidas do necessário, vivem numa dependência que lhes corta toda a iniciativa e responsabilidade, e também toda a possibilidade de formação cultural e de acesso à carreira social e política, é grande a tentação de repelir pela violência tais injúrias à dignidade humana".

Para um humanismo total

“É necessário promover um humanismo total. Que vem ele a ser senão o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens? O homem pode organizar a terra sem Deus, mas 'sem Deus só a pode organizar contra o homem. Humanismo exclusivo é humanismo desumano'(J.Maritain). Não há, portanto, verdadeiro humanismo, senão o aberto ao Absoluto. O homem, longe de ser a norma última dos valores, só se pode realizar a si mesmo, ultrapassando-se”.

Fundo mundial

“Pedimos a organização de um Fundo Mundial, sustentado por uma parte da verba das despesas militares, para vir em auxílio dos mais deserdados(…) Os países em via de desenvolvimento já não correrão o risco de ficarem sobrecarregados de dívidas, cuja amortização e juros absorvem o melhor dos seus lucros. Os juros e a duração dos empréstimos podem ser organizados de maneira suportável a uns e a outros, equilibrando os donativos gratuitos, os empréstimos sem juros ou à taxa mínima, com a duração das amortizações”.

Distorção crescente

“Os produtos primários sofrem grandes e repentinas variações de preços, muito aquém da subida progressiva dos outros. Daqui surgem grandes dificuldades para as nações pouco industrializadas, quando contam com as exportações para equilibrar a sua economia e realizar o seu plano de desenvolvimento. Os povos pobres ficam sempre pobres e os ricos tornam-se cada vez mais ricos (…) A regra da livre troca já não pode, por si mesma, reger as relações internacionais (…) A justiça social exige do comércio internacional, para ser humano e moral, que restabeleça, entre as duas partes, pelo menos certa igualdade de possibilidades”.

Para um mundo solidário

“A isto temos de chegar: a que a solidariedade mundial, cada vez mais eficiente, permita a todos os povos tornarem-se artífices do seu destino (…) Construir uma ordem jurídica universalmente reconhecida. Quem não vê a necessidade de se chegar assim, progressivamente, ao estabelecimento de uma autoridade mundial, em condições de agir eficazmente no plano jurídico e político?".

Diálogo das civilizações

“Entre as civilizações, como entre as pessoas, o diálogo sincero torna-se criador de fraternidade. A busca do desenvolvimento há de aproximar os povos nas realizações, fruto de esforço comum, se todos, desde os governos e seus representantes até ao mais humilde dos técnicos, estiverem animados de amor fraterno e movidos pelo desejo sincero de construir uma civilização de solidariedade mundial (…) Ninguém pode ficar indiferente à sorte dos seus irmãos ainda mergulhados na miséria, atormentados pela ignorância e vítimas da insegurança”.

Oração e ação

“Ao Onipotente há de elevar-se fervorosa a oração de todos, para que a humanidade, depois de tomar consciência de tão grandes males, se aplique com inteligência e firmeza a exterminá-los (…) Mais do que qualquer outro, aquele que está animado de verdadeira caridade é engenhoso em descobrir as causas da miséria, encontrar os meios de a combater e vencê-la resolutamente. Artífice da paz, "prosseguirá o seu caminho, ateando a alegria, e derramando a luz e a graça no coração dos homens, por toda a terra, fazendo-lhes descobrir, para lá de todas as fronteiras, rostos de irmãos, rostos de amigos" (João XXIII).

Terminamos estas citações – na sincera esperança de que elas toquem a razão, a fé e a sensibilidade de católicos, cristãos, os que honram a Deus, e todos os que estão sedentos de absoluto, de justiça e de verdade – com o sentido de urgência dado por Paulo VI: “Todos somos solidários. Sem esperar passivamente ordens e diretrizes”.

Assinam os deputados federais:

Chico Alencar (RJ) Leandro Sampaio (RJ) Hugo Leal (RJ) Luiza Erundina (SP) Paulo Teixeira (SP) Odair Cunha (MG) Maria do Carmo Lara (MG) Miguel Martini (MG) Carlos Melles (MG) Vieira da Cunha (RS) Adão Preto (RS) Nazareno Fonteles (PI) Júlio César (PI) André de Paula (PE) Pedro Wilson (GO) Luiz Couto (PB) Neuto de Conto (SC) Carlos Abicalil (MT) Nilson Mourão (AC) E os senadores: José Nery (PA) e Pedro Simon (RS)

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