Apóstolo de Jesus celebrado nesta quinta-feira, 3, é citado por padre da Companhia de Jesus em cartas sobre evangelização no Brasil
Gabriel Fontana
Da Redação

A Incredulidade de São Tomé. Caravaggio, óleo sobre tela.
Nesta quinta-feira, 3, a Igreja celebra a memória de São Tomé, apóstolo de Jesus e mártir. Conhecido por não ter acreditado na ressurreição de Cristo, quando declarou que se não visse a marca dos pregos e pusesse a mão no seu lado, não creria (Jo 20,25), o discípulo incrédulo também está ligado ao Brasil e à América por uma história curiosa.
Em 2 de fevereiro de 1549, os primeiros missionários jesuítas chegaram ao Brasil, aportando na Praia da Coroa Vermelha, na altura de Porto Seguro (BA). Entre eles, estava o padre Manoel da Nóbrega, que deixou diversos escritos sobre suas experiências na terra recém-descoberta, reunidas posteriormente em um conjunto intitulado Cartas do Brasil.

Raphael Tonon / Foto: Arquivo pessoal
Nestas cartas, o jesuíta relata as interações com os indígenas, realizadas com o intuito de divulgar a doutrina e a fé católica. Segundo o professor e historiador Raphael Tonon, em uma certa ocasião, o padre Manoel da Nóbrega narra que, ao falar a respeito dos apóstolos de Jesus e citar seus nomes, seus ouvintes reagiram com certa euforia ao ouvir o nome de Tomé.
“Questionando os povos nativos a respeito desse interesse deles quando o nome de Tomé era dito, os indígenas afirmaram que esse apóstolo já havia andado por aqui. E eles chamavam esse apóstolo de Sumé, Zumé ou Pai Sumé”, explica o historiador.
Padre Manoel da Nóbrega registra ainda que, segundo os indígenas, este apóstolo havia ensinado que eles deveriam se casar com uma única mulher, cuidar dos filhos e da família, amar e obedecer a Deus e também que só existe um único Deus. “Enfim, ele já havia conversado com essas pessoas e a tradição foi passando de geração em geração”, comenta o professor.
Pegadas de São Tomé
Tonon também destaca que essa e outras histórias que envolvem São Tomé não se restringiam a uma única região do Brasil. “Em pelo menos seis lugares diferentes, do Ceará ao Rio de Janeiro, os indígenas também relataram a presença de pegadas de Tomé na praia e inclusive chegaram a mostrar as pedras com as marcas de dois pés ali”, pontua.
Em Cabo Frio (RJ), além das marcas dos pés na pedra, o historiador conta que os nativos mostraram também uma pedra que parece ter sido afundada com golpes de bastão. “Eles contaram aos padres jesuítas que Sumé (ou Zumé) deu várias instruções aos indígenas, que não lhe deram ouvidos. Então ele, tomando o seu cajado, deu uma série de bordoadas na pedra, que ficou marcada como se fosse cera quente”, narra.
Além disso, histórias similares também foram registradas em outros pontos das Américas, como Bolívia, Peru e México. Um dos exemplos citados pelo professor é o de Hernán Cortés, que chegou ao México em 1519 e, ao atingir a capital do reino asteca e adentrar na grande cidade que eles haviam edificado, notou que os nativos veneravam uma grande cruz de pedra em um paredão.
“Esta grande cruz de pedra, diante da qual se ajoelhavam e faziam suas orações, segundo eles, era um sinal que havia sido mostrado por um tal de Zumé ou Sumé”, explica Tonon. “Então, essas narrativas que foram registradas pelos franciscanos no México e pelos jesuítas no Brasil se repetem em diversos outros lugares”, complementa.
Porta de entrada do Evangelho no Brasil

Trecho de carta do padre Manoel da Nóbrega publicado em edição de Cartas do Brasil publicado pela editora da Imprensa Nacional em 1886.
O historiador reflete que essa história certamente contribuiu muito com a devoção dos indígenas. “Os missionários também souberam utilizar essas histórias, essas crenças, até mesmo alguns dados da cultura e da mitologia desses povos para aproximá-los da fé católica”, acrescenta.
No entanto, pontua o professor, os missionários não atribuíram uma importância desmedida a estas histórias: somente registraram com curiosidade e sem saber ao certo como distinguir o que há de realidade e o que há de lendário nesse fato. “Os jesuítas apenas utilizaram a história como uma porta de entrada para o Evangelho, que afinal de contas é o que mais importa”, observa Tonon.
O historiador comenta ainda que o fato de São Tomé ser o apóstolo que duvidou da ressurreição de Jesus fez com que os próprios jesuítas começassem a pensar nos possíveis motivos que o teriam trazido para cá. Teria ele bilocado, em um fenômeno sobrenatural? Ou sido enviado por Deus para se purificar de sua incredulidade? Ou aparecido depois de já estar no céu por uma permissão divina?
“Do ponto de vista humano e natural, ninguém sabia explicar exatamente como essa história de Tomé chegou aqui”, cita o historiador, “mas notaram que havia uma familiaridade, um conhecimento dos indígenas em relação à pessoa, à figura de Tomé. Isso foi, no mínimo, curioso e acabou sendo uma porta de entrada para o Evangelho aqui no Brasil”.
Os relatos contam, inclusive, que o apóstolo foi alvo de desobediência e descontentamento dos indígenas, que chegaram a lançar flechas contra ele. Contudo, narra-se que elas se voltaram contra os atacantes, que então perceberam que se tratava de alguém enviado por Deus. “Essas histórias do início do Brasil, demonstram que a providência divina, de um jeito ou de outro, já preparava esta terra para ser a terra de Santa Cruz”, conclui Tonon.