Segundo a FAO, preço do café subiu 38,8% em relação a 2024, mas a demanda pela bebida continua crescendo, especialmente em países como China e Japão
Thiago Coutinho
Da redação

O café subiu 38,8% em relação a 2024, aponta a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) / Clay Banks por Unsplash
O café pode ser considerado, de longe, uma das bebidas mais consumidas e amadas no mundo. Para o brasileiro, então, o café é praticamente indispensável. Duvida? Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café, o Brasil ocupa o segundo lugar no posto de maior consumidor de café do mundo. De acordo com a instituição, o brasileiro consome, em média, 1.430 xícaras/ano.
No entanto, essa relação de amor com a bebida foi abalada neste início de ano com uma alta voraz em seu valor. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o preço mundial do café subiu 38,8% em relação a 2024. O café arábica, um dos mais apreciados e utilizados em todo o mundo, teve aumento de 70% na bolsa Intercontinental Exchange (ICE) no ano passado e mais de 20% até março.
“O preço do café está alto por decorrência de fatores que não começaram necessariamente por agora, como mudanças climáticas (ondas de calor, secas e geadas) e o aumento no custo de produção (combustível, fertilizantes, mão de obra, logística e até especulação financeira) que acaba reduzindo a produção cafeeira no Brasil”, explica Gabriel Barros, barista e dono de um canal na Internet dedicado ao café.
Preço pode baixar?
Segundo Barros, a demanda por café continua crescendo apesar dos altos preços, especialmente em países como China, Japão e Coreia do Sul. “E aí entra a lei de mercado da oferta e procura. A oferta reduziu e a demanda aumentou, o preço sobe”.
O café é um fruto extremamente sensível às mudanças climáticas, e isso afeta diretamente a sua produção. “Ano passado, visitei diversas fazendas de café no Alto do Caparaó que relataram a falta de chuva em uma das regiões que é conhecida por ter uma quantidade alta de chuvas durante o ano. E o café é um fruto extremamente sensível a essas mudanças climáticas, em especial, o da espécie arábica”.
A pergunta que não quer calar: em algum momento haverá redução no valor do café? “Infelizmente, a expectativa de redução de preço, por ora, não é das mais otimistas”, responde Barros. “Mas, claro que, com a colaboração do clima, o retorno da produtividade padrão, os preços irão se estabilizar ou até caiam no futuro. Mas, dificilmente, voltaremos aos valores de anos atrás”, ratifica o barista.
Os diferentes tipos de café
Os cafés podem ser separados por tipos: extraforte, tradicional, gourmet e especial. Os cafés do tipo extraforte e tradicional não oferecem a melhor qualidade da bebida, ao passo que os cafés gourmet e especial oferecem um café de qualidade superior, em que o processo de torrefação e produção dos grãos é diferente.
Esses cafés estão se tornando mais comuns nas gôndolas dos supermercados — embora haja algumas ressalvas. “Não sou muito fã dessa expressão ‘cafés de supermercados’ em contraponto com o café especial”, afirma Barros. “Primeiro, porque, hoje, já temos diversas franquias de mercados com uma gama enorme de opções de cafés especiais. E, segundo, por denotar que os cafés de mercado são inferiores em qualidade, quando há muita coisa boa por lá também — vide os próprios cafés especiais ou mesmo os de categoria gourmet”, detalha o barista.
Há, porém, um detalhe que faz toda a diferença entre os cafés especiais e os demais: a data da torrefação. “Como a população ainda não tem tanto conhecimento e, principalmente, condição financeira para arcar com o valor de um café especial, a rotatividade é baixa, o que faz com que seja muito difícil encontrarmos cafés com torra fresca nos mercados”, observa Barros.
Por que a torra fresca é tão importante? Porque, quanto mais fresca a torra, mais os aromas e todas as características do grão estarão presentes na bebida. “Com o tempo, sabemos que os aromas e sabores vão se perdendo [com uma torra velha] e o café acaba diminuindo sua complexidade original”, ensina Barros.
Café moído ou em grãos?
Um outro diferencial que atinge os cafés tradicionais é moagem: grande parte dos grãos vendidos nos supermercados já são moídos. A escolha por parte dos produtores e supermercados para isso é muito simples: “A maioria esmagadora da população não tem moedores em casa, sequer sabem da existência de moedores manuais, por exemplo”, ressalta Barros. “E o café já moído, por não ter a cápsula protetora do grão, perde suas propriedades com ainda mais velocidade. Isso prejudica o sabor da sua bebida mesmo que a torra tenha sido em poucos meses”.
Um detalhe é uma informação comumente difundida na internet: a de que o café moído possui muitas impurezas, até mesmo insetos. Segundo Barros, não é bem assim. “Recentemente, fui a São Paulo para visitar o centro de degustação e o laboratório da ABIC (Associação Brasileira das Indústrias de Café), em que eles recebem as amostras e fornecem o selo da categoria específica a depender do resultado dessas análises microscópicas e de sabor. É um critério extremamente rigoroso que achamos até graça de ver esses conteúdos na internet”.
Barros conta que chegou a visitar uma indústria de café e pôde acompanhar o processo de torra de um café extraforte e tradicional e também de um pacote de café tradicional em grãos. “Posso garantir que não tinha nenhum resquício de pau, pedra, folha ou insetos ali dentro. Aliás, há 3 tipos de refinamento do café para retirar esses resíduos até o envase. E esse é apenas um dos exemplos de indústrias que fazem um trabalho sério”, assegura o barista.
Essa fama de cafés com essas impurezas, no entanto, não são totalmente falsas, explica Barros. “Se pararmos para pesquisar, os cafés apreendidos por fraudes que vemos nas notícias não possuem o selo da ABIC. Então, se querem tomar um café com mais tranquilidade no seu dia a dia, prefiram os que possuam o selo de pureza. E cuidado com o que escutam na internet, por favor”, instrui Barros.
Cafés especiais
Embora o Brasil seja uma potência mundial quando se trata da produção de café, o consumidor de café brasileiro muitas vezes desconhece como degustar a bebida com mais apuro, utilizando moedores e cafeteiras mais modernas. O mercado de café especiais, porém, tem crescido no país, ainda que de maneira tímida: estimativas apontam que cerca de 5% a 10% de todo o consumo brasileiro já seja de cafés especiais.
Essa tendência pode, sim, continuar a crescer. “Sempre brinco que o café é o novo vinho”, diz Barros. “Cada dia que passa, vejo mais torrefações novas surgindo e mais produtores tomando consciência de que, no fim, compensa tratar o café com mais carinho lá na lavoura. Até mesmo a grande indústria já está entendendo e investindo em cafés especiais, o que é ótimo para os consumidores, pois só elas conseguem trazer um mínimo de qualidade com um preço inferior ao que estamos acostumados”, assevera.
Um grande aliado nesta propagação do quão bom pode ser o café especial em casa vem dos produtores de conteúdo para a internet. “Com o aumento dos produtores de conteúdo de qualidade na internet, cada vez mais informações estão chegando à população no geral e mostrando que o mundo do café pode ir muito além do que elas conheciam. Transformando de uma bebida relativamente simples para algo até terapêutico que passa a fazer parte do seu ritual matinal”, pondera Barros.

Por conta da alta dos preços, Erika diminuiu, mas não deixou de consumir café / Foto: Arquivo Pessoal
A corretora Erika Pioto é um exemplo disso. Entusiasta de um bom café, passou a comprar café gourmet, mas se apaixonou pelos cafés especiais por meio de um serviço de assinatura mensal — serviço oferecido por produtoras de café especial em que você paga uma taxa mensal e recebe, em casa, um quantidade específica de café em grãos. “Depois disso já tive várias assinaturas e não consumo outro café”.
Erika notou muita diferença quando passou a consumir esses cafés. “As principais diferenças sem dúvidas foram a mudança do paladar e melhora considerável da saúde do estômago, não tendo mais azias e mal estar”, diz.
Por outro lado, a alta no preço dos cafés também impactou o consumo da corretora. “Deixei de pagar assinatura, pois ficou inviável. Passei a comprar direto de fornecedores e também por meio de compras coletivas. Assim, o frete fica mais em conta e consigo viabilizar a compra”, ensina Erika. “Quanto à redução de consumo, houve uma queda sim, antes fazia de 2 a 4 cafés por dia, sempre experimentando drinks diferentes. Hoje, faço, no máximo, dois e do jeito mais simples possível”, lamenta Erika.
Café especiais
Ainda que os preços estejam altos, para quem pensa em mudar o consumo para os cafés especiais, o barista Gabriel Barros oferece alguns conselhos. O principal é focar em uma matéria-prima de qualidade. “Nenhum equipamento faz milagre se usar um café de má procedência”, diz.
O próximo passo é mero refinamento. “É pegar o que já está bom e deixar excelente! Aí começa a fazer sentido investir em equipamentos como balança com timer (que vai te dar uma maior precisão e praticidade), uma chaleira pescoço de ganso (que busca um maior controle de fluxo da água), um moedor manual (para já migrar para os cafés em grãos que preservaram melhor os aromas de sabores do café) e um método de preparo mais flexível (como o V60 ou mesmo a prensa francesa) que irá te trazer um perfil de sabor diferente usando o mesmo café”, aconselha o especialista.
Barros finaliza com uma última dica: “Prepare no seu tempo, se quiser, com uma boa música e apenas aprecie o café. Esteja presente, que é o que nos falta na atualidade. O melhor café é aquele que te agrada e te faz feliz”, finaliza Barros.
Confira, no quadro a seguir, alguns benefícios e dicas de consumo do café.