Este mês, Papa reza pelos pais que perderam seus filhos; conheça o testemunho de mães que encontram, na fé, a força necessária para seguir
Julia Beck
Da redação
Uma dor sem nome, mas longe de ser invisível para a Igreja. Josefa de Sousa Ferreira (57 anos), Fabiana Ferreira Porto (47 anos), Maria Silvania Sales Amora (57 anos) e todos os pais e mães que perderam seus filhos estão na intenção de oração do Papa Francisco neste mês de novembro.
Mãe de Jonathan de Sousa e Tiago de Sousa, Josefa chorou a perda de seu filho Tiago no dia 13 de novembro de 2018 (quando o jovem tinha 30 anos). No final de setembro daquele mesmo ano, ele sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). Dias depois, ainda em recuperação, o rapaz teve uma crise respiratória e foi internado com um quadro sério de pneumonia. “Permaneceu internado durante dez dias e não voltou para casa”, lembra a mãe.
“Tive meu acesso de raiva, ‘briguei com Deus’, questionei por que Ele estava fazendo aquilo comigo, já que eu era uma mãe que rezava, que estava sempre na presença d’Ele, servindo-O. E foi ouvindo uma música do padre Zezinho que me deparei com a frase: ‘Briguei com Deus, mas acabei no colo d’Ele’. Hoje, não digo mais que perdi, mas que devolvi meu filho para Deus. Já vão fazer seis anos que ele partiu”, sublinha Josefa.
Olhar para a Cruz
Thayna Porto, filha mais velha de Fabiana, faleceu no dia 17 de setembro de 2016 (aos 21 anos), vítima de um acidente de carro fatal. Juntamente com a jovem, outros quatro passageiros também não sobreviveram. “Um acidente horrível que mexeu não só comigo e com minha família, mas com mais quatro famílias. Este ano completou oito anos que tudo aconteceu”, recorda.
Além de Thayna, Fabiana é mãe de João Victor Porto e Camylli Porto. Ela recorda a filha falecida como muito calma, carinhosa e de uma “generosidade sem igual”. No dia da morte de Thayna, a mãe afirma que ficou sem reação. “O sentimento de dor é grande. No primeiro momento, um vazio se instalou no meu coração”, conta. No entanto, Fabiana frisa que sentiu a presença de Deus a encorajando na vivência daquela difícil situação. “Eu tinha que resolver as coisas e meus outros dois filhos precisavam de uma mãe forte por fora, ao lado deles, para apoiá-los e consolá-los. (…) Olhar para a Cruz de Cristo foi o que me ajudou a seguir em frente”.
De mãe para mãe
Em 8 de fevereiro de 2020, o filho mais novo de Maria Silvania, Vinícius Geraldel, sofreu um grave acidente de trânsito e, mesmo recebendo os primeiros socorros, veio a óbito aos 21 anos. “Um filho muito querido, de sorriso fácil e um carisma imenso”, revela a mãe. Ela que também é mãe de Laís Geraldel, conta que a notícia da morte de Vinícius “tirou o chão” da família. Desde que soube do acidente, Silvania sublinha que rogou a Nossa Senhora para que ela se colocasse ao lado do jovem.
Com a notícia da morte de Vinícius, a mãe foi até a Capela do Santíssimo, em sua comunidade paroquial. “Eu entreguei o meu filho a Jesus naquele momento. Pedi a Nossa Senhora que o levasse até os braços de Deus e que o apresentasse. Eu tenho certeza que Nossa Senhora estava juntinho dele, como sempre esteve juntinho de mim”.
Filhos no Céu
Atualmente, Josefa, Fabiana e Maria Silvania fazem parte do serviço Filhos no Céu, que integra o Movimento Mães que Oram pelos Filhos. A primeira, além de integrar o grupo como mãe, também dá apoio e acolhe outras mães que vivem essa difícil realidade.
“O serviço ‘Filhos do Céu’ surgiu como uma forma de rezar pelas necessidades específicas de cada filho. (…) O nosso trabalho consiste em oração e acolhimento”, explica Josefa. Ela acrescenta que quem vive essa realidade sente necessidade de falar, lembrar, e as mães que servem na condição de apoio do grupo escutam as que desejam se abrir. “Conversamos, trocamos experiências, choramos e rezamos juntas”, acrescenta.
Atualmente, são 110 mães que vivenciam a dor da perda dentro deste serviço. Através das orações em unidade, mensagens de carinho, conforto, formações sobre o caminho da santidade, da reconciliação e da oração, elas são fortalecidas.
“É preciso ter empatia. (…) Nenhuma pessoa ‘normal’ é capaz de lidar com a perda de um ente querido sem passar pelas lágrimas. A dor consiste naquilo que não seremos mais para aqueles que partiram: o abraço que não vamos receber, o cheiro que não vamos sentir, a voz que não vamos ouvir…E tantos outros sentimentos. Eu sinto como se tivesse perdido um pedaço do meu coração, porque jamais serei inteira novamente. Enquanto acolho mães que perderam filhos dentro do serviço dos Filhos do Céu, eu também sou curada, pois cada momento de oração me ajuda a seguir em frente”, afirma Josefa.
Igreja no apoio dos que sofrem
Papa Francisco exorta a Igreja: “Rezemos para que todos os pais que choram a morte de um filho ou filha encontrem apoio na comunidade e obtenham do Espírito consolador a paz de coração”. A partir disso, Josefa confirma a necessidade que as mães e pais que perderam seus filhos têm de serem acolhidos e consolados.
“O sofrimento é tão grande que muitas vezes desejamos a morte também, na ilusão de que podemos estar com o filho que partiu. Isso poder levar a depressão. A presença de um sacerdote amigo também faz a diferença”, ressalta. “Eu encontrei apoio no grupo de Mães que Oram pelos Filhos. Já fazia parte do movimento e quando meu filho faleceu foi na igreja, neste grupo, que mais recebi apoio. A família também é importante, mas estar na presença do Senhor é o principal”.
Fabiana não era católica, mas em 2012, quatro anos antes do falecimento da filha, se aproximou da Igreja. Em 2015, passou a frequentá-la com fidelidade e ingressou no ministério dos catequistas, onde está até hoje. Foi durante um encontro de catequese que foi comunicada do falecimento de sua filha.
“Graças a Deus eu recebi esta notícia na Igreja, dentro de um encontro de catequese, pois Jesus e Maria estavam comigo. Hoje entendo o porquê fiquei tão tranquila e com um sentimento de paz, mesmo em uma situação como essa”. A fé em Deus e a vida de Maria – “ver que ela ficou em pé diante de tanta dor”, foi o que ajudou e ajuda Fabiana nesses oito anos de saudade. “É saber que por meio da fé na ressurreição, um dia eu e minha filha vamos nos reencontrar de novo”.
Após a morte de Vinícius, Silvania comenta que ela e o marido tiveram muito apoio da família e da comunidade paroquial: “Não me abandonaram em nenhum momento”. “A perda não foi só minha, do Marcos e da Laís, a perda foi da comunidade toda, dos amigos. Até hoje, mesmo passados cinco anos, todos lembram dele”. “Nós sabemos que a vida é mais do que a vida terrena e acreditamos muito que Deus é capaz de curar todas as dores. Fica só essa saudade muito grande que nos faz seguir na oração, na amizade e estar com a nossa Igreja”, reitera. Ela cita que teve o apoio de sacerdotes durante e depois da morte do filho, que muitos enviaram e ainda enviam palavras de conforto.
Fé
“Somente em Deus encontramos refúgio. Mesmo sem entender, porque realmente não entendemos, somente em Deus encontramos o consolo” – Josefa de Sousa
Silvania afirma que foi diante da dor da perda do filho que descobriu o valor da sua fé. “Descobri que eu tenho fé, porque a fé é muito mais do que falar: ‘eu tenho fé’, é vivência”, destaca. De acordo com ela, muitos pregam a verdade de que a morte não é o fim, mas ao se deparar com ela, é preciso reafirmar a fé na vida eterna. “A fé professada deve ser a fé vivida”, reitera.
“A morte do Vinícius me trouxe mais intimidade com Deus, porque eu passei a valorizar mais o meu dia a dia e o que eu quero para a vida eterna (…). O Vinícius me fez refletir sobre a importância do amor à vida, do amar todos os dias”. Silvania frisa que fé em Jesus, as palavras dEle e ensinamentos são sustento e força diante da dor.
A fé é primordial para a superação da dor, acredita Josefa. “Somente em Deus encontramos refúgio. Mesmo sem entender, porque realmente não entendemos, somente em Deus encontramos o consolo”, ressalta.
O que não dizer
Em sua intenção de oração, o Papa alerta os fiéis para os comentários destinados a pessoas que vivem ou viveram este momento de dor: “Ditas com as melhores intenções, claro, podem acabar por aumentar a ferida”. Josefa aproveita para condenar falas ditas neste momento: “Deus quis assim”; “Você é forte, vai superar”; “Não chore. Deixe seu filho descansar”. “Fico me perguntando diante destas falas: Que Deus é esse que quis me ver nesta situação? Não posso chorar por meu filho? O desejo de uma mãe é ter o filho junto e não debaixo do solo. Portanto é necessário muito cuidado ao querer consolar alguém com essas palavras”, reflete.
A fala “Deus quis assim”, explica Josefa, remete a um Deus impiedoso que levou o filho sem nenhuma consideração pela mãe. “Já existe uma dor, uma revolta naquele momento. Dizer que Deus quis assim leva a um afastamento de Deus”. Segundo ela, também é inadequado dizer a alguém que não chore por quem faleceu. “Apenas abrace (…), ofereça seu colo, seu ombro e deixe a mãe falar. Simplesmente fique por perto”.
Maria Silvania complementa afirmando que Deus não quer o sofrimento. “Ele não quer nada disso. Deus é amor, Ele está acima de tudo isso. Fatalidades acontecem e foi uma fatalidade. E diante da fatalidade, o que a gente tem a fazer é apoiar as pessoas, estar junto, ouvir. Mais do que falar, é dar o abraço no aconchego do coração”. Perguntar como a pessoa está também não é algo bacana, de acordo com ela. “A gente não está bem. Não precisa perguntar”.
Nunca comparar a dor da perda de uma mãe, é o que pede Fabiana. “Dói muito e só nós sabemos como dói se despedir de quem carregamos no ventre e criamos com muito amor e carinho”.