Quarta Carta Encíclica do pontificado de Francisco aprofunda aspectos da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, no qual “nos reconhecemos e aprendemos a amar”
Da Redação, com Vatican News
A Santa Sé publicou, nesta quinta-feira, 24, a nova Carta Encíclica do Papa Francisco. Intitulado Dilexit nos, que significa “Ele nos amou”, o texto aborda o amor humano e divino do Coração de Jesus.
Logo no início de sua quarta Carta Encíclica, o Pontífice escreve que “o seu coração aberto [de Jesus] precede-nos e espera-nos incondicionalmente, sem exigir qualquer pré-requisito para nos amar e oferecer a sua amizade: Ele amou-nos primeiro (cf. 1 Jo 4, 10)” (1), sinalizando o tema tratado ao longo do documento.
O Santo Padre propõe um novo aprofundamento sobre o amor de Cristo representado em seu Coração, convidando os fiéis a renovarem sua autêntica devoção, lembrando que no Coração de Jesus “encontramos todo o Evangelho” (89): é em seu Coração que “finalmente nos reconhecemos e aprendemos a amar” (30).
Francisco alerta que, muitas vezes, o cristianismo esquece “a ternura da fé, a alegria do serviço, o fervor da missão pessoa-a-pessoa” (88). Diante disso, sublinha que, ao encontrar o amor de Cristo, “tornamo-nos capazes de tecer laços fraternos, de reconhecer a dignidade de cada ser humano e de cuidar juntos da nossa casa comum” (217).
Encíclica a um mundo que parece ter perdido o coração
Com uma breve introdução e dividida em cinco capítulos, a Carta Encíclica sobre o culto ao Sagrado Coração de Jesus reúne preciosas reflexões de textos magisteriais precedentes e de uma longa história que remonta às Sagradas Escrituras, a fim de propor novamente, a toda a Igreja, esse culto carregado de beleza espiritual.
Ao anunciar a preparação do documento, no final da Audiência Geral de 5 de junho, o Papa explicou que seu objetivo era ajudar a meditar sobre os aspectos “do amor do Senhor que podem iluminar o caminho da renovação eclesial, mas também que podem dizer algo significativo a um mundo que parece ter perdido seu coração”.
Além disso, a Dilexit nos é publicada em meio às celebrações em andamento pelos 350 anos da primeira manifestação do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque, em 27 de dezembro de 1673, e que se encerrarão em 27 de junho de 2025.
A importância do coração
No primeiro capítulo, o Pontífice explica por que é necessário “voltar ao coração” em um mundo no qual os homens são tentados a tornarem-se “consumistas insaciáveis e escravos na engrenagem de um mercado” (2). A análise parte do que se quer dizer com “coração”: a Bíblia fala dele como um núcleo “que se esconde por detrás de todas as aparências” (4), um lugar onde “não conta o que mostramos exteriormente ou o que ocultamos, ali conta o que somos” (6).
O Santo Padre ressalta que a atual desvalorização do coração nasce do racionalismo grego e pré-cristão, do idealismo pós-cristão e do materialismo, de modo que, no grande pensamento filosófico, foram preferidos conceitos como “razão, vontade ou liberdade”. Assim, não encontrando lugar para o coração, também “não se desenvolveu suficientemente a ideia de um centro pessoal” que pode unificar tudo, ou seja, o amor, (10).
É o coração “que une os fragmentos” e torna possível “qualquer vínculo autêntico”, sinaliza Francisco, “porque uma relação que não é construída com o coração não pode ultrapassar a fragmentação do individualismo” (17).
“Este é o Coração que tanto nos amou”
O segundo capítulo é dedicado aos gestos e palavras de amor de Cristo, que revelam que Deus “é proximidade, compaixão e ternura”. Eles são vistos nos encontros de Jesus com a samaritana, com Nicodemos, com a prostituta, com a mulher adúltera e com o cego no caminho (35). Seu olhar, que “perscruta as profundezas do seu ser” (39), mostra que Jesus “está atento às pessoas, às suas preocupações, ao seu sofrimento” (40).
No terceiro capítulo, o Papa recorda como a Igreja reflete e refletiu no passado “sobre o santo mistério do Coração do Senhor”. Ele deixa claro que “a devoção ao Coração de Cristo não é o culto a um órgão separado da Pessoa de Jesus”, porque “o que contemplamos e adoramos é a Jesus Cristo por inteiro, o Filho de Deus feito homem, representado numa imagem sua em que se destaca o seu coração” (48).
Tal imagem do coração de carne, ressalta, ajuda a contemplar que “o amor do coração de Jesus não compreende somente a caridade divina, mas se estende aos sentimentos do afeto humano” (61). Seu Coração, prossegue Francisco citando Bento XVI, contém um “tríplice amor”: o amor sensível do seu coração físico “e o seu duplo amor espiritual, o humano e o divino” (66), no qual encontra-se “o infinito no finito” (64).
Na sequência, o Santo Padre destaca que “a devoção ao Coração de Cristo é essencial para a nossa vida cristã, na medida em que significa a nossa abertura, cheia de fé e de adoração, ao mistério do amor divino e humano do Senhor” (83). Além disso, convida todos a renovarem esta devoção também para combater as “novas manifestações de uma ‘espiritualidade sem carne’” que estão se multiplicando na sociedade (87).
“Amor que dá de beber”
Nos dois últimos capítulos, Francisco sublinha os dois aspectos que “a devoção ao Sagrado Coração deve reunir hoje para continuar a alimentar-nos e a aproximar-nos do Evangelho: a experiência espiritual pessoal e o compromisso comunitário e missionário” (91). Em relação ao primeiro aspecto, ao reler as Sagradas Escrituras, o Papa reconhece Cristo e seu lado aberto como uma fonte aberta para o povo, para saciar a sede do amor de Deus, “para a purificação do pecado e da impureza” (95). Esse lado trespassado, recorda, “assumiu gradualmente a forma do coração” (109).
Em seguida, o Pontífice aprofunda a dimensão comunitária, social e missionária de toda autêntica devoção ao Coração de Cristo, que, ao mesmo tempo que “nos conduz ao Pai, envia-nos aos irmãos” (163). De fato, o amor aos irmãos é o “maior gesto que possamos oferecer-lhe para retribuir amor por amor” (167). Neste contexto, relembra São João Paulo II: “entregando-nos em conjunto ao Coração de Cristo, ‘sobre as ruínas acumuladas pelo ódio e pela violência, poderá ser construída a civilização do amor tão desejada, o Reino do Coração de Cristo’” (182).
A Encíclica recorda novamente com São João Paulo II que “a consagração ao Coração de Cristo ‘deve ser aproximada à ação missionária da própria Igreja, porque responde ao desejo do Coração de Jesus de propagar no mundo, através dos membros do seu Corpo, a sua total dedicação ao Reino’. Por conseguinte, através dos cristãos, ‘o amor difundir-se-á no coração dos homens, para que se construa o Corpo de Cristo que é a Igreja e se edifique uma sociedade de justiça, de paz e de fraternidade’” (206).
Oração do Papa Francisco
Por fim, a Carta Encíclica é concluída com uma oração de Francisco: “Peço ao Senhor Jesus Cristo que, para todos nós, do seu Coração santo brotem rios de água viva para curar as feridas que nos infligimos, para reforçar a nossa capacidade de amar e servir, para nos impulsionar a fim de aprendermos a caminhar juntos em direção a um mundo justo, solidário e fraterno. Isto até que, com alegria, celebremos unidos o banquete do Reino celeste. Aí estará Cristo ressuscitado, harmonizando todas as nossas diferenças com a luz que brota incessantemente do seu Coração aberto. Bendito seja!” (220).
Reportagem do vídeo acima de Danúbia Gleisser, Gilberto Maia e Leonardo Vieira