PREGAÇÃO DA QUARESMA

Cantalamessa: Jesus lança luz sobre o mundo e revela a verdade

Na segunda pregação da Quaresma, cardeal reflete sobre afirmação “eu sou a luz do mundo” e alerta para sobreposição da razão à fé

Da Redação, com Vatican News

Cardeal Cantalamessa prega sobre a autoproclamação de Jesus “eu sou a luz do mundo” / Foto: Reprodução Vatican News no YouTube

O pregador da Casa Pontifícia, Cardeal Raniero Cantalamessa, fez sua segunda pregação para a Quaresma nesta sexta-feira, 1º. Na Sala Paulo VI, ele prosseguiu com as reflexões sobre as autorrevelações de Jesus e comentou a passagem em que o Senhor afirma: “eu sou a luz do mundo” (cf. Jo 8,12).

O cardeal iniciou destacando que, frente à possibilidade do questionamento sobre Jesus ter dito ou não as afirmações que estão sendo refletidas, há a verdade histórica e a verdade real. Dessa forma, não é a pronúncia de frases como “eu sou o caminho, a verdade e a vida” (cf. Jo 14,6) da boca do próprio Cristo que as tornam verdadeiras, mas a realidade que se sobressai a toda contingência histórica de que Jesus de fato é o caminho, a verdade e a vida.

“As grandes palavras que meditaremos são, portanto, de Jesus: não do Jesus histórico, mas do Jesus que – como tinha prometido aos discípulos (cf. Jo 16,12-15) –, nos fala com a autoridade do Ressuscitado, mediante o seu Espírito”, expressou Cantalamessa.

“Eu sou a luz do mundo”

Exposto isso, ele se concentrou no trecho do Evangelho escolhido para esta segunda pregação. O pregador da Casa Pontifícia contextualizou que Jesus estava no templo de Jerusalém, debatendo com os judeus, quando autoproclamou “eu sou a luz do mundo”.

Hoje, comentou, esta “se tornou uma verdade acreditada e proclamada, mas houve um tempo em que ela não era somente isso; era uma experiência vivida”. O frei citou Pedro, que define a experiência do encontro com Jesus como um passar “das trevas para a sua luz maravilhosa” (cf. 1Pd 2,9).

Na sequência, apontou dois significados para a expressão “luz do mundo”. O primeiro deles está relacionado à “suprema e definitiva revelação de Deus à humanidade”. Jesus não é o revelador, mas a própria revelação; ele diz “eu sou a luz do mundo”, não “eu trago a luz do mundo”.

O segundo significado expressa que Jesus é a luz do mundo dado que lança luz sobre o mundo, ou seja, “revela o mundo a si mesmo, faz ver cada coisa na sua verdade, pelo que é diante de Deus”.

Fé e razão

Deste ponto de vista, a luz que é Cristo encontra, muitas vezes, a resistência da razão humana, desafiando o homem a confirmar-se na fé. Cantalamessa apontou para uma “radical assimetria”, uma vez que “o fiel compartilha com o ateu a razão, mas o ateu não compartilha com o fiel a fé na revelação”.

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Justamente por isso, pontuou, “o debate mais convincente sobre o tema ‘fé e razão’ é aquele que acontece na mesma pessoa, entre a sua fé e a sua razão”. Ao citar alguns exemplos de homens que dedicaram-se a essa reflexão, entre eles Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Blaise Pascal, São João Paulo II e Bento XVI, o cardeal indicou que a conclusão a qual todos chegaram é que “o ato supremo da razão é reconhecer que há algo que a supera”. “A fé não se opõe à razão, mas supõe a razão, exatamente como ‘a graça supõe a natureza’”, completou.

O pregador da Casa Pontifícia sublinhou que o homem moderno considera como valor supremo a busca da verdade, em detrimento da própria verdade. Isso, explicou, porque nesta fase de busca é o homem quem conduz o jogo, enquanto que ao lado da Verdade reconhecida como tal, não há mais escape e deve-se prestar “a obediência da fé”. “A fé põe o absoluto, enquanto a razão gostaria de prosseguir indefinidamente a discussão”, afirmou.

Apoiar-se no poder do Espírito

Neste contexto, o frei indicou que “o discurso sobre fé e razão, antes de ser um debate entre ‘nós e eles’, entre fiéis e não fiéis, deve ser um debate ‘entre nós e nós’, isto é, entre os próprios fiéis”. Ele recordou Paulo, que em sua primeira carta aos coríntios escreveu: “Também a minha palavra e a minha pregação não se apoiavam na persuasão da sabedoria, mas na manifestação do Espírito e do poder, para que a vossa fé se fundamentasse não na sabedoria humana mas no poder de Deus” (cf. 1Cor 2,4-5).

Cantalamessa alertou que a teologia ocidental “tem sempre mais se afastado do poder do Espírito, para favorecer a sabedoria humana”. Ele sinalizou que o racionalismo moderno pretende que o cristianismo apresente sua mensagem de modo dialético, submetendo-a à busca e à discussão.

“O perigo inerente neste modo de fazer teologia é que Deus se torna objetivado. Torna-se um objeto do qual se fala, não um sujeito com o qual – ou na presença do qual – se fala”, manifestou o cardeal. Esse, apontou, é o “contragolpe” de tornar a teologia uma ciência, comentando que ela se torna mais um diálogo com a elite acadêmica do momento e menos um nutrimento para a fé do povo de Deus.

Contra a mundanização

Retomando o segundo significado exposto para a expressão “eu sou a luz do mundo”, o pregador da Casa Pontifícia destacou que Jesus não ilumina a si mesmo, mas todas as coisas que estão sobre a terra. Diante disso, frisou que não se pode permitir que o mundo torne-se o sujeito que ilumina a vida humana, trocando o seu papel.

“Um dito atribuído a Jesus em um antigo escrito não canônico afirma: ‘Se não jejuardes do mundo, não descobrireis o reino de Deus’. Eis o jejum mais necessário hoje do que todos: jejuar do mundo”, exortou o frei, enfatizando que o egoísmo é o princípio que rege o mundo.

Além disso, apontou que a principal causa da mundanização é a crise de fé, “terreno de choque primário entre o cristão e o mundo”, uma vez que “pela fé que o cristão não é mais ‘do’ mundo”. Neste sentido, Cantalamessa sinalizou que a opinião pública desempenha um papel fundamental neste processo que coloca a fé em xeque e leva o indivíduo a adaptar-se ao “espírito dos tempos”.

“Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo”

O cardeal também alertou para a “trindade do mundo”, composta por prazer, poder e dinheiro, e provocou os presentes a refletirem se, mesmo depreciando os desastres provocados por este grupo na sociedade, estão todos realmente imunes a esses riscos.

Por fim, indicou que a maior consolação para aqueles que lutam com o mundo, dentro e fora de si próprios, é saber que Cristo continua, como ressuscitado, a rezar ao Pai pelos homens: “Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno. Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo… Assim como tu me enviaste ao mundo, eu também os enviei ao mundo… Eu não rogo somente por eles, mas também por aqueles que hão de crer em mim, pela palavra deles” (cf. Jo 17,15-20).

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