Em encontro com expoentes de outras dez religiões, Francisco indicou que “o diálogo não se contrapõe ao anúncio” e exortou todos a viver em harmonia
Da Redação, com Boletim da Santa Sé
No início da manhã deste domingo, 3, na Mongólia, por volta das 10h do horário local, o Papa Francisco participou de um Encontro Ecumênico e Inter-Religioso. No Teatro Hun, ele se reuniu com autoridades e lideranças de outras dez religiões presentes no país asiático e, após a leitura de mensagens destes expoentes presentes, fez um discurso.
O Santo Padre iniciou sua fala comparando o anseio religioso a uma comunidade de viandantes que caminha na terra com o olhar voltado para o céu. Essas duas dimensões da vida humana, tão visíveis na Mongólia, onde o “céu tão límpido, tão azul, abraça a terra vasta e imponente” foram frisadas: “a terrena, feita de relações com os outros, e a celeste, feita de busca do Outro, que nos transcende”, descreveu o Pontífice.
Voltando-se para o encontro de tantos expoentes religiosos, demonstração da riqueza cultural mongol, Francisco recordou a experiência da antiga capital imperial de Kharakorum, dentro da qual se encontravam lugares de culto pertencentes a diferentes “credos”, testemunhando uma louvável harmonia. “Trata-se daquela relação particular que se cria entre realidades diversas, sem as sobrepor nem homogeneizar, mas no respeito pelas diferenças e em benefício da convivência”, definiu.
Harmonia que gera a beleza da vida
Neste contexto, o Papa afirmou que a religiosidade mede-se pela harmonia criada com aqueles que professam uma fé diferente. Essa medida é baseada no altruísmo, “não um altruísmo abstrato, mas concreto que se traduz na procura do outro e na generosa colaboração com o outro”, sublinhou.
“O altruísmo constrói harmonia e, onde houver harmonia, há compreensão, há prosperidade, há beleza. Na realidade, harmonia é talvez o sinônimo mais apropriado de beleza. Ao contrário, o fechamento, a imposição unilateral, o fundamentalismo e o forçamento ideológico arruínam a fraternidade, alimentam tensões e põem em risco a paz. A beleza da vida é fruto da harmonia: é comunitária, cresce com a gentileza, a escuta e a humildade”, declarou o Santo Padre.
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Assim, segundo o Pontífice, as religiões são chamadas a oferecer ao mundo esta harmonia, que o progresso técnico apenas não pode dar. Isso porque, uma vez que se visa somente a dimensão terrena e horizontal do homem, corre-se o risco de esquecer o céu. Desta forma, ele refletiu também sobre o patrimônio sapiencial construído pela Ásia e a natureza de um dos elementos mais característicos da Mongólia – a ger.
Em relação ao “patrimônio de sabedoria asiático, o Papa citou dez aspectos: o bom relacionamento com a tradição, não obstante as tentações do consumismo; o respeito pelos idosos e os antepassados; o cuidado pelo meio ambiente; o valor do silêncio e da vida interior; um sentido sadio de frugalidade; o valor do acolhimento; a capacidade de contrastar o apego às coisas; a solidariedade, que nasce da cultura dos vínculos entre as pessoas; o apreço pela simplicidade; e um certo pragmatismo existencial, que tende a procurar tenazmente o bem do indivíduo e da comunidade.
Ger, símbolo da abertura ao transcendente
Voltando-se para a ger, que inclusive inspirou o formato do prédio onde se deu o encontro, Francisco reafirmou seu fascínio com a arquitetura desta construção. Primeiro, ele ressaltou como ela constitui um espaço humano, lugar de convívio amistoso, de encontro e de diálogo onde sempre cabe mais um. Da mesma forma, a ger é encontrada sempre aberta, pronta para acolher o outro.
Mas, além do âmbito humano, a ger evoca a essencial abertura ao divino. “A dimensão espiritual desta habitação é representada pela sua abertura para o alto, com um único ponto por onde entra a luz, em forma de claraboia aos gomos. (…) Assim, a convivência humana que tem lugar no espaço circular é constantemente referida à sua vocação vertical, à sua vocação transcendente e espiritual”, refletiu o Pontífice.
O Santo Padre prosseguiu, indicando que este conviver harmonioso e aberto ao transcendente simbolicamente representa a humanidade reconciliada e próspera, no qual o empenho em prol da justiça e da paz encontram inspiração e fundamento na relação com o divino. “Assim se cumpra em nós, discípulos entusiastas dos respectivos mestres espirituais e servidores conscienciosos dos seus ensinamentos, dispostos a oferecer a sua beleza a quantos acompanhamos, como companheiros amigos de viagem”, expressou o Papa.
Caminhar juntos
Aproximando-se do término de sua fala, Francisco confirmou o desejo da Igreja Católica de caminhar deste modo, “crendo firmemente no diálogo ecuménico, no diálogo inter-religioso e no diálogo cultural”. Com a fé fundamentada no diálogo eterno entre Deus e a humanidade, a Igreja oferece a cada indivíduo e cultura o tesouro que recebeu, permanecendo em atitude de abertura e escuta.
“Com efeito, o diálogo não se contrapõe ao anúncio: não nivela as diferenças, mas ajuda a compreendê-las, preserva-as na sua originalidade e permite-lhes confrontar-se para um franco e mútuo enriquecimento. Assim, a chave para caminhar na terra pode-se encontrar na humanidade abençoada pelo Céu. Irmãos e irmãs, temos uma origem comum, que confere a todos a mesma dignidade, e temos um caminho compartilhado, que só podemos percorrer juntos, habitando sob o mesmo céu que nos envolve e ilumina”, declarou o Santo Padre.
Assim, o encontro de todos, para o Pontífice, é sinal de que é possível ter esperança. Se as grandes árvores nascem de sementes pequeninas escondidas na terra, comentou, os esforços comuns para dialogar e construir um mundo melhor também não são em vão. “Cultivemos a esperança. (…) Que as orações que elevamos ao céu e a fraternidade que vivemos na terra nutram a esperança; sejam o testemunho simples e credível da nossa religiosidade, do caminhar juntos com o olhar voltado para o alto, de habitar o mundo em harmonia como peregrinos chamados a guardar a atmosfera de casa, para todos”, concluiu.