Aborto e eutanásia. Esses são dois aspectos incluídos na proposta de reformulação do Código Penal brasileiro e que vêm despertando polêmica na sociedade. Para o aborto, o projeto prevê a ampliação dos casos em que a prática será permitida. Quanto à eutanásia, a proposta é considerá-la com homicídio privilegiado em vez de simples, o que reduz a pena.
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Atualmente, são considerados legais dois tipos de aborto: em casos de estupro e quando a vida da gestante está em risco. Pela proposta de reformulação, o aborto também seria permitido em casos de anencefalia ou doença física ou mental grave no bebê. A prática também seria legal até a 12ª semana de gestação, caso haja um laudo médico que comprove incapacidade psicológica da mãe de criar a criança.
Para o jurista e ex-procurador geral da República, Cláudio Fonteles, esse ponto da proposta é um equívoco. “Toda a lei deve expressar situação certa e clara a propósito do que deseja regulamentar. Ora, o que é ‘não ter condições psicológicas de levar adiante a gravidez’? Eis expressão carregada de subjetivismo, incerta, como aferir a falta dessas condições?
Em relação a esse aspecto, o doutor em Direito, Ives Gandra, considera que deveria haver uma ajuda para essas mães, e não uma medida de morte para a criança.
“O Estado teria que dar uma assistência à vida não criar estabelecimentos dedicados à morte de seres humanos que estão no ventre materno, mas como recuperar esses seres e, ao mesmo tempo, auxiliar psicologicamente as mães para que elas possam ter um filho”, disse o advogado.
Saúde pública?
Um das vertentes defendidas pelos que são favoráveis ao aborto é a premissa de que se trata de uma questão de saúde pública. Gandra acredita que o problema parte do princípio de que a mulher que queira fazer o aborto o faria de forma asséptica, em hospitais dedicados a isso, em vez de fazerem em clínicas clandestinas, em que não se tem higiene. Ele disse que lhe parece um falso argumento a ideia de evitar clínicas clandestinas e concentrar os abortos nos hospitais.
O advogado completou dizendo que, de uma forma ou de outra, o aborto será, na prática, um homicídio. “No fundo, o que vai se fazer é um homicídio uterino seja numa clínica clandestina ou num hospital, vai se matar um ser humano que está no ventre materno”, enfatizou.
Sobre o tema, Fonteles destacou a necessidade de a saúde pública focar na defesa da vida. “O sistema público de saúde deve ter o compromisso com a vida. Campanhas massivas de acompanhamento do pré-natal devem ser realizadas com periodicidade”.
Fonteles também lembrou que a gestação une integral e umbilicalmente a vida da mãe e do feto, o que leva ao entendimento de que as políticas de saúde pública não podem dissociar a pessoa da mulher da do feto.
Aborto x direito à vida
Gandra acredita que o argumento relativo à defesa dos direitos e da saúde da mulher utilizado pelos favoráveis ao aborto é, na verdade, um falso argumento. “Eles têm que ter um argumento pra dizer que eles estão matando por um argumento maior. A questão do aborto é que as pessoas que defendem querem eliminar aqueles que são socialmente inconvenientes, aqueles que podem vir a trazer problemas para os pais que o geraram”.
Nessa questão, Cláudio Fonteles lembrou a inviolabilidade da vida humana, princípio erigido constitucionalmente. De acordo com o jurista, por inviolável deve-se entender o pleno desenvolvimento da vida, mesmo que esta apresente alguma imperfeição. “Os devaneios totalitários da raça perfeita e pura mancharam, mancham e mancharão sempre a humanidade. Que nunca mais aconteçam”.
Eutanásia
Outro objeto de reforma do Código Penal é a questão da eutanásia. O professor de Bioética da Faculdade Dehoniana de Taubaté, Padre Mário Marcelo, explicou que a eutanásia é, na verdade, uma antecipação do momento da morte, o que envolve um problema moral. “Eutanásia é também chamada de homicídio assistido, ou seja, há uma ação direta do paciente ou de outra pessoa para antecipar o momento da morte”, disse o padre.
Gandra avalia que até existe uma justificativa por parte dos que defendem esta ação, tendo em vista casos em que o paciente não pode mais sobreviver sem os aparelhos. Mesmo assim, o advogado considera a eutanásia como um crime.
“Até tem uma justificativa desde que isso não venha criar sofrimento para o paciente, desde que o doente seja terminal, desde que o paciente esteja inconsciente e não tenha nenhuma condição de recuperação. Mas a eutanásia em si é um crime também, porque eutanásia é abreviar uma vida que só pode ser abreviada pela própria natureza”, explicou.