Queridos irmãos e irmãs
Na catequese de hoje concentramos a nossa atenção sobre a oração que Jesus dirige ao Pai na hora do seu enaltecimento e da sua glorificação. Como afirma o Catecismo da Igreja Católica: “A tradição a define a oração sacerdotal de Jesus”. É aquela do nosso Sumo Sacerdote, a qual é inseparável do seu Sacrifício, da sua passagem (Páscoa) ao Pai, onde ele é inteiramente “consagrado” ao Pai. (n. 2747).
Esta oração de Jesus é compreensível na sua extrema riqueza, sobretudo se a colocamos no contexto da festa judaica da expiação, o Yom kippur. Naquele dia o Sumo Sacerdote completa a expiação por si mesmo, depois pela classe sacerdotal e enfim pela inteira comunidade do povo. O objetivo é o de conduzir o povo de Israel, depois das transgressões do ano, à consciência da reconciliação com Deus, à consciência de ser um povo eleito, ‘povo santo’ em meio aos outros povos. A oração de Jesus, apresentada no capítulo 17 do Evangelho Segundo João, retoma a estrutura desta festa. Jesus naquela noite se volta ao Pai no momento no qual está oferecendo a si mesmo. Ele, sacerdote e vítima, ora por si mesmo, pelos apóstolos e por todos aqueles que acreditarão n’Ele, pela Igreja de todos os tempos (Jo 17,20).
A oração que Jesus faz por si mesmo é o pedido da própria glorificação, do próprio enaltecimento na sua ‘hora’. Na realidade é mais um pedido e uma declaração de plena disponibilidade de entrar, livremente e generosamente, no desígnio do Pai que se cumpre na entrega, na morte e na ressurreição. Esta “Hora” é iniciada com a traição de Judas (Jo 13,31) e culminará na subida de Jesus ressuscitado ao Pai (Jo 20,17). A saída de Judas do cenáculo é comentada por Jesus com estas palavras: “Agora o Filho do Homem foi glorificado e Deus foi glorificado nEle” (Jo 13,31). Não acaso, Ele inicia a oração sacerdotal dizendo: “Pai, é chegada a hora: glorifica o teu Filho para que o Filho glorifique a ti” (Jo 17,1). A glorificação que Jesus pede por si mesmo como Sumo Sacerdote é o ingresso na plena obediência ao Pai, uma obediência que o conduz à sua mais plena condição filial: “E agora, Pai, glorifica-me diante de Ti com aquela glória que eu havia junto de Ti antes que o mundo existisse” (Jo 17,5). Esta disponibilidade e este pedido constituem o primeiro ato do sacerdócio novo de Jesus que é um doar-se totalmente na cruz, e exatamente sobre a cruz – o supremo ato de amor – Ele é glorificado, porque o amor é a alegria verdadeira, a glória divina.
O segundo momento desta oração é a intercessão que Jesus faz pelos discípulos que estiveram com Ele. Eles são aqueles dos quais Jesus pode dizer ao Pai: “Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me destes. Eram teus e os destes a mim, e eles observaram a Sua Palavra” (Jo 17,6). “Manifestar o nome de Deus aos homens” é a realização de uma presença nova do Pai em meio ao povo, à humanidade. Este “manifestar” não é somente uma palavra, mas é a realidade em Jesus; Deus está conosco, e assim o nome – a sua presença conosco, o ser um de nós – se “realizou”. Portanto, esta manifestação se realiza na encarnação do Verbo. Em Jesus Deus entra na carne humana, se faz próximo em modo único e novo. E esta presença tem o seu ápice no sacrifício que Jesus realiza na sua Páscoa de morte e ressurreição.
Ao centro desta oração de intercessão e de expiação em favor dos discípulos está o pedido de consagração; Jesus diz ao Pai: “Eles não são do mundo, também eu mandei-lhes ao mundo; por eles eu consagro a mim mesmo, para que sejam também eles consagrados na verdade” (Jo 17, 16-19). Pergunto: o que significa “consagrar” neste caso? Antes de tudo vale dizer que “Consagrado” ou “Santo” é propriamente somente Deus. Consagrar, portanto, quer dizer transferir uma realidade – uma pessoa ou coisa – para a propriedade de Deus. E nisto estão presentes dois aspetos complementares: de uma parte tirar das coisas comuns, segregar, colocar à parte do ambiente de vida pessoal do homem para serem doados totalmente a Deus; e da outra esta segregação, esta transferência à esfera de Deus, tem um significado próprio de envio, de missão: exatamente porque, doada a Deus, a realidade, a pessoa consagrada existe para os outros, é doada aos outros. Doar a Deus quer dizer não estar mais para si mesmo, mas para todos. É consagrado quem, como Jesus, é segregado do mundo e colocado à parte para Deus em vista de um objetivo e exatamente por isto está plenamente à disposição de todos. Para os discípulos, será continuar a missão de Jesus, ser doado a Deus para ser assim em missão por todos. A noite de Páscoa, o Ressuscitado, aparecendo aos seus discípulos, lhes dirá: “A paz esteja convosco. Como o Pai me envio assim eu vos envio” (Jo 20,21)
O terceiro ato desta oração sacerdotal estende o olhar até o fim do tempo. Nela Jesus se volta ao Pai para interceder em favor de todos aqueles que serão levados à fé mediante a missão inaugurada pelos apóstolos e continuada na história: “Não oro somente por estes, mas também por aqueles que acreditarão em mim mediante a Palavra deles”. Jesus reza pela igreja de todos os tempos, reza também por nós (Jo 17,20). O Catecismo da Igreja Católica comenta: “Jesus levou a pleno cumprimento a obra do Pai, e a sua oração, como o seu Sacrifício, se estende até a consumação dos tempos. A oração da Hora preenche os últimos tempos e os leva em direção à consumação” (n.2749).
O pedido central da oração sacerdotal de Jesus dedicada aos seus discípulos de todos os tempos é aquela da futura unidade de quantos acreditarão n’Ele. Tal unidade não é um produto mundano. Essa provém exclusivamente da unidade divina e chega a nós do Pai mediante o Filho e no Espírito Santo. Jesus invoca um dom que provém do Céu, e que tem o seu efeito – real e perceptível – sobre a terra. Ele reza “para que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em mim e eu em ti. Que eles estejam em nós sejam também estes em nós, para que o mundo creia que Tu me enviastes” (Jo 17,21). A unidade dos cristãos de uma parte é uma realidade secreta que está no coração daqueles que creem. Mas, ao mesmo tempo, ela deve aparecer com toda a clareza na história, deve aparecer para que o mundo creia, tem um objetivo muito prático e concreto, deve aparecer para que realmente todos sejam uma coisa só. A unidade dos futuros discípulos, sendo em unidade com Jesus – que o Pai enviou pelo mundo – é também a fonte originária da eficácia das missões cristãs no mundo.
Podemos dizer que na oração sacerdotal de Jesus se cumpre a instituição da Igreja. Exatamente ali, no ato da última ceia, Jesus cria a Igreja. Já que, não é a Igreja a comunidade dos discípulos que, mediante a fé em Jesus Cristo como enviado do Pai, recebe a sua unidade e é envolvida na missão de Jesus de salvar o mundo conduzindo-o ao conhecimento de Deus? Aqui encontramos realmente uma verdadeira definição da Igreja. A Igreja nasce da oração de Jesus. E esta oração não é somente palavra: é o ato no qual se consagra a si mesmo e por assim dizer, se sacrifica pela vida do mundo (Jesus de Nazaré, II)
Jesus reza para que os seus discípulos sejam uma coisa só. Em força de tal unidade, recebida e guardada, a Igreja pode caminhar no mundo sem ser do mundo (cfr Jo 17,16) e viver a missão que lhe foi confiada para que o mundo creia no Filho e no Pai que a enviou. A igreja se torna então o lugar no qual se continua a missão do próprio Cristo: conduzir o mundo da alienação do homem em direção a Deus e a si mesmo, para fora do pecado, a fim que volte a ser o mundo de Deus.
Queridos irmãos e irmãs, colhemos alguns elementos da grande riqueza da oração sacerdotal de Jesus, que vos convido a ler e meditar, para que os guie no diálogo com o Senhor, nos ensine a rezar. Também nós, então, na nossa oração, pedimos a Deus que nos ajude a entrar, de modo mais pleno, no projeto que Ele tem sobre cada um de nós, peçamos à Ele para sermos “consagrados” a Ele, para pertencer-lhe sempre mais para poder amar sempre mais os outros, os próximos e os que estão distantes; peçamos à Ele para sermos sempre capazes de abrir a nossa oração às dimensões do mundo, não fechando-a no pedido de ajuda pelos nossos problemas, mas recordando diante do Senhor o nosso próximo, aprendendo a beleza de interceder pelos outros; peçamos à Ele o dom da unidade visível entre todos os que creem em Cristo – invocamos isto com força na semana de oração pela Unidade dos Cristãos – oremos para estarmos prontos para responder a qualquer um que nos pergunte acerca da esperança que está em nós (cfr. IPT 3,15). Obrigado.