Palavra do Papa

Discurso de Bento XVI à Pontifícia Acadêmia das Ciências

Eminência,
Vossas Excelências,
Distintos Senhoras e Senhores,

estou feliz por saudar a todos vós aqui presentes, reunidos pela Pontifícia Academia das Ciências para sua Sessão Plenária, a fim de refletir sobre "O Legado Científico do Século XX". Saúdo, de modo particular, o Cardeal Cottier e o Bispo Marcelo Sánchez Sorondo, Chanceler da Academia. Aproveito igualmente esta oportunidade para recordar com carinho e gratidão o professor Nicola Cabibbo, vosso falecido presidente. Com todos vós, recomendo fervorosamente sua nobre alma a Deus, o Pai das misericórdias.

A história da ciência no século XX é marcada por inquestionáveis conquistas e grandes avanços. Infelizmente, a imagem popular da ciência do século XX é, por vezes, caracterizada contrariamente a partir de duas formas extremas. Por um lado, a ciência é formulada por alguns como uma panaceia, comprovada por suas notáveis realizações do século passado. Seus inúmeros avanços foram, de fato, tão abrangentes e tão rápidos que pareciam confirmar o ponto de vista de que a ciência podia responder a todas as perguntas acerca da existência do homem, e até mesmo de suas mais altas aspirações. Por outro lado, há aqueles que temem a ciência e que se afastam dela, devido aos seus preocupantes desenvolvimentos, como a construção e terrível uso das armas nucleares.

A ciência, naturalmente, não é definida por nenhum desses extremos. Sua tarefa era e continua sendo a de uma paciente e apaixonada busca acerca da verdade sobre o cosmos, sobre a natureza e sobre a constituição do ser humano. Nessa busca, foram muitos os sucessos e fracassos, vitórias e derrotas. Os desenvolvimentos da ciência foram tanto edificantes, à medida que a complexidade da natureza e seus fenômenos foram descobertos, superando nossas expectativas, quanto humilhantes, como quando algumas das teorias que pensávamos que poderiam explicar aqueles fenômenos de uma vez por todas provaram apenas uma parcela deles. No entanto, mesmo os resultados provisórios constituem uma verdadeira contribuição para desvendar a correspondência entre o intelecto e as realidades naturais, com o que as gerações futuras podem contribuir ainda mais.

Os progressos feitos no conhecimento científico durante o século XX, em todas as suas várias disciplinas, levaram a uma consciência muito melhorada do lugar que o homem e este planeta ocupam no universo. Em todas as ciências, o denominador comum continua a ser a noção de experimentação como um método organizado para a observação da natureza. No último século, o homem certamente fez mais progressos – se não sempre em seu conhecimento de si mesmo e de Deus, então certamente em seu conhecimento do macro e microcosmos – do que em toda a história anterior da humanidade. O nosso encontro aqui hoje, queridos amigos, é uma prova de estima da Igreja com a investigação científica em curso e de sua gratidão pelo esforço científico, que ela tanto encoraja e incentiva. Em nossos dias, os próprios cientistas apreciam cada vez mais a necessidade de se abrir à filosofia se estão a descobrir o fundamento lógico e epistemológico para suas metodologias e conclusões. De sua parte, a Igreja está convencida de que a atividade científica, em última análise, beneficia-se do reconhecimento da dimensão espiritual do homem e de sua busca por respostas definitivas que permitam o reconhecimento de um mundo que existe independentemente de nós, que nós não entendemos completamente, e que só podemos compreender na medida em que compreendemos a sua lógica inerente. Os cientistas não criam o mundo; eles aprendem sobre o mundo e tentam imitá-lo, seguindo as leis e a inteligibilidade que a natureza manifesta a eles. A experiência do cientista como um ser humano é, portanto, a de perceber uma constante, uma lei, um logos que ele não criou, mas que ele tem, ao invés disso, observado: na verdade, isso leva-nos a admitir a existência de uma Razão toda-poderosa, que é diferente daquela do homem, e que sustenta o mundo. Esse é o ponto de encontro entre as ciências naturais e religião. Como resultado, a ciência torna-se lugar de diálogo, um encontro entre o homem e a natureza e, potencialmente, até mesmo entre o homem e o seu Criador.

Ao olharmos para o século XXI, eu gostaria de propor dois pensamentos para ulteriores reflexões. Em primeiro lugar, à medida que o aumento das realizações da ciência aprofunda nossa admiração pela complexidade da natureza, a necessidade de uma abordagem interdisciplinar vinculada com a reflexão filosófica que leva a uma síntese é cada vez mais percebida. Em segundo lugar, a realização científica neste novo século deve ser sempre informada pelos imperativos da fraternidade e da paz, ajudando a resolver os grandes problemas da humanidade, e dirigindo os esforços de todos para o verdadeiro bem do homem e do desenvolvimento integral dos povos do mundo. O resultado positivo da ciência do século XXI vai certamente depender, em grande medida, da capacidade do cientista de procurar a verdade e aplicar as descobertas de uma maneira que ande de mãos dadas com a busca por aquilo que é justo e bom. Com esses sentimentos, convido-vos a dirigir o olhar para Cristo, a Sabedoria incriada, e reconhecer em Seu rosto, o Logos do Criador de todas as coisas. Renovando os meus bons votos para o vosso trabalho, de bom grado concedo a minha Bênção Apostólica.

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