Um dos traços peculiares do cristianismo é a sua concepção de ser profundamente inserido na história. As palavras de Jesus aos seus discípulos quando os recorda de estarem no mundo, mas não serem do mundo (cf. Jo 15,19; 17,13-14), foram interpretadas como um compromisso fundamental de compartilhar os acontecimentos da história, embora sabendo que o objetivo último que dá significado pleno aos acontecimentos está além da história em si. Exatamente sobre esse tema, particularmente, é fácil detectar um ensinamento entre os mais conhecidos do Concílio Vaticano II, o qual desejou sublinhar com mais vigor que no passado o conceito de história da salvação. Essa premissa permite compor uma reflexão diante da Carta Apostólica Ubicumque et semper, com a qual o Santo Padre institui o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização. Antes de tudo, somos gratos ao Papa Bento XVI por esta intuição profundamente profética. Ela foi capaz de saber olhar com realismo o presente da Igreja, para propor-lhe um caminho que a comprometerá bastante em um futuro próximo. Vivemos um tempo de grandes desafios, que incidem especialmente nos comportamentos de gerações inteiras, devido ao fato da conclusão de uma época com o ingresso em uma nova fase para a história da humanidade.
A tantos elementos positivos, que permitem ver um compromisso mais coerente na vida de fé – devido também a uma consciência mais profunda dos seus conteúdos – correspondem não raramente formas de "distanciamento da fé" como consequência de uma difundida forma de indiferença religiosa, prelúdio para um ateísmo de fato. Frequentemente, a falta de consciência dos conteúdos básicos da fé leva, inevitavelmente, a assumir comportamentos e formas de juízo moral muitas vezes em contraste com a essência mesma da fé, assim como foi sempre anunciada e vivida ao longo dos vinte séculos da nossa história. O relativismo, do qual o Papa Bento sempre denunciou os limites e as contradições, especialmente em vista de uma correta antropologia, emerge como a nota característica destes decênios assinalados sempre mais por consequências de um secularismo que busca distanciar os nossos contemporâneos da sua relação fundamental com Deus. Nesse sentido, são sobretudo as Igrejas de antiga tradição que ressentem dessa condição, também se no processo de globalização em que estamos inseridos ninguém parece escapar desta dramática situação que, para retomar as palavras da Carta Apostólica, cria um "deserto interior", afastando o homem de si mesmo. Ao princípio secularizante de viver no mundo etsi deus non daretur, o ainda Cardeal Joseph Ratzinger tinha oposto o princípio de viver no mundo veluti si Deus daretur.
É esse um dos motivos que levou o Papa Bento à criação de um dicastério com a missão de promover a nova evangelização. Essa, como bem afirma o título mesmo do Motu proprio, é a missão que "sempre e em todo o lugar" a Igreja sentiu como sua tarefa fundamental para corresponder plenamente à ordem do Senhor de ir a todo o mundo e fazer seus discípulos todos os povos da terra. O tema da nova evangelização foi objeto de atenta reflexão por parte do magistério da Igreja nos últimos decênios. É obrigatório recordar a Evangelii nuntiandi, de Paulo VI, na conclusão do Sínodo sobre a evangelização, de 1974, as repetidas e insistentes intervenções de João Paulo II, que desejou introduzir a própria expressão "nova evangelização" e, por último, Bento XVI, que desejou tomar o bastão cumprindo um ulterior passo concreto com a instituição deste Pontifício Conselho.
O objetivo aparece subitamente como um grande desafio que é colocado para toda a Igreja, no dever de refletir e encontrar as formas adequadas para renovar o próprio anúncio junto a tantos batizados que não compreendem mais o sentido de pertencimento à comunidade cristã e são vítimas do subjetivismo dos nossos tempos, com o fechamento em um individualismo privado de responsabilidade pública e social. O Motu proprio, mais diretamente, particulariza as Igrejas de antiga tradição que, embora com realidades entre si bastante diferenciadas por tradições e culturas, clamam por um renovado espírito missionário capaz de fazer cumprir aquele necessário salto para corresponder às novas exigências que a situação história contemporânea pede. Nesse sentido, a missão que nos espera não é diferente daquela assinalada à Igreja de sempre: fazer conhecer o verdadeiro rosto de Jesus Cristo, único salvador, revelador do amor misericordioso do Pai que vai ao encontro de todos sem excluir ninguém. No mistério da sua encarnação, ele leva ao cumprimento a promessa antiga de Deus e na sua morte e ressurreição colocou no mundo o gérmen daquela esperança que não decepciona, porque responde à exigência do íntimo de toda a pessoa de dar sentido à própria vida, fundando-se não sobre hipóteses passageiras do momento, mas sobre a certeza que provém da fé. A Igreja, portanto, é chamada a revigorar a si mesma naquilo que tem de mais essencial, que é o anúncio missionário. Poderá fazê-lo de maneira eficaz na medida em que se fundar na Palavra de Deus, que deve transmitir de maneira viva de geração em geração, permitindo a todos realizar uma verdadeira experiência de vida eclesial, fundamento para uma genuína resposta de fé. Como atesta Ubicumque et semper, a "nova evangelização" não é uma fórmula igual para todas as circunstâncias. Antes de tudo, não é uma fórmula mais ou menos afortunada. Ela indica muito mais que isso; compromete, de fato, na elaboração de um pensamento forte capaz de sustentar uma ação pastoral correspondente. Além disso, deve ser capaz de verificar com atenção as diferentes tradições e objetivos que as Igrejas possuem devido à riqueza de tantos séculos de história. Uma pluralidade de formas que não prejudica a unidade, mas a torna mais articulada e permite a devida eficácia junto aos nossos contemporâneos.
Uma palavra sobre as competência do novo dicastério poderá ajudar a compreender melhor as suas finalidades e o trabalho que será chamado a desenvolver. Deveremos evitar, antes de tudo, que "nova evangelização" ressoe como uma fórmula abstrata. Deveremos preenchê-la de conteúdo teológico e pastoral e o faremos de acordo com o magistério destes últimos decênios. Uma primeira sistematização desse ensinamento evidenciará a atenção permanente à problemática e a riqueza das abordagens que, vez por outra, foram identificadas. Ao mesmo tempo, devem ser consideradas as tantas iniciativas com as quais, ao longo desses anos, os bispos individualmente, com as suas Igrejas particulares, as Conferências episcopais e associações de fiéis assumiram através de sensibilidade própria o tema da nova evangelização. Uma consciência e uma coordenação dessas preciosas iniciativas poderá ser pródomo para ulteriores atividades do Dicastério. Em 2012, acontecerá o vigésimo aniversário da publicação do Catecismo da Igreja Católica. Entre as competências que são confiadas ao Dicastério está a de ser qualificado para "promover" o seu uso. O Catecismo, de fato, é um dos frutos mais maduros das indicações conciliares; ali é recolhido, de modo orgânico, todo o patrimônio do desenvolvimento do dogma e representa o instrumento mais completo para transmitir a fé de sempre diante das constantes transformações e interrogações que o mundo apresenta aos fiéis. Encontrar todas as formas que o progresso da ciência da comunicação desenvolveu para torná-las instrumentos positivos a serviço da nova evangelização é, enfim, uma missão que toca de perto o dicastério, consciente do papel determinante que os meios de comunicação possuem ao veicular a cultura e a mentalidade no contexto atual.
Vivemos na história e as datas têm seu significado. Também o novo dicastério observa com atenção algumas datas que lhe dizem respeito particularmente, devido ao valor simbólico que possuem. O Santo Padre fez o anúncio de desejar instituir o Pontifício Conselho nas Vésperas solenes dos Santos Pedro e Paulo, as colunas da Igreja, cujo anúncio e martírio deram eficaz testemunho de Jesus Cristo. Esta Carta Apostólica, com a qual o dicastério é instituído, foi assinada no dia de São Mateus, apóstolo e evangelista. Esses acontecimentos levam-nos a considerar a fidelidade ao Sucessor de Pedro e o compromisso que devemos ter no tornar o Evangelho uma palavra de salvação para os nossos contemporâneos. O Evangelho não é um mito, mas o testemunho vivo de um evento histórico que mudou o rosto da história. A nova evangelização deve fazer conhecer, antes de tudo, a pessoa histórica de Jesus, e o seu ensinamento como foi fielmente transmitido pelas comunidades primitivas e que encontra nos Evangelhos e nos escritos do Novo Testamento a sua codificação normativa. Hoje, enfim, recorre para o Vaticano a memória litúrgica da Virgem Maria, Mãe da Igreja. Não é sem temor que confiamos a Ela, estrela da evangelização, a grande missão que o Papa nos confiou, para que possa sustentar a obra da Igreja no seu constante anúncio do Evangelho a toda a pessoa que encontramos em nosso caminho.
Presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização
Siga o Canção Nova Notícias no twitter.com/cnnoticias
Conteúdo acessível também pelo iPhone – iphone.cancaonova.com