MCCE divulga nota técnica a respeito do Ficha Limpa no TSE

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) divulgou nesta terça-feira, 1, uma nota técnica a respeito do projeto de lei Ficha Limpa, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Uma comissão do movimento entregou o documento aos ministros da casa, antecedendo a sessão da noite. Leia a íntegra do documento abaixo:

Nota técnica sobre a Lei da Ficha Limpa

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), rede de organizações sociais responsável pela campanha que culminou com a aprovação da lei complementar conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, vem, respeitosamente, apresentar a Vossa Excelência as considerações abaixo:

I – Constitucionalidade

O projeto de iniciativa popular de que se originou a Lei da Ficha Limpa teve a sua apresentação motivada pelo que expressamente dispõe a Constituição e pela interpretação que a ela foi historicamente conferida pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Dispõe o § 9º do art. 14 da CF, que “lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

Certamente o comando constitucional não poderia ser cumprido pela vetusta Lei Complementar n° 64/90. Muito diversamente, foi justamente a leniência dessa legislação que obrigou o Parlamento a aprovar a Emenda de Revisão n. 4/94 para tornar possível a consideração da vida pregressa no momento da definição de novas hipóteses de inelegibilidade.

Quando a LC n° 64/90 foi editada, o legislador sequer dispunha de autorização constitucional para levar em conta o passado dos candidatos quando da instituição de inelegibilidades. Por isso mesmo, desde logo o Tribunal Superior Eleitoral tratou de editar o Enunciado n° 13 da sua jurisprudência sumulada, o qual possui o seguinte teor:

Não é auto-aplicável o § 9º, Art. 14, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional de Revisão nº 4/94
As decisões do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral sempre fizeram alusão à necessidade da edição de uma lei complementar que corporificasse o desiderato constitucional de ver protegida a moralidade e a probidade administrativas pela via da instituição de inelegibilidades.

Diversos julgados voltaram a afirmá-lo, como foi o caso do RO nº 1069 – RJ, onde o relator, Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, assentou que “Na ausência de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato implicará inelegibilidade, não pode o julgador, sem se substituir ao legislador, defini-los”.

Pois bem, seguindo essa orientação dimanada da nossa mais alta Corte Eleitoral, a sociedade brasileira tratou de recolher perto de 1,6 milhão de assinaturas em apoio a um projeto de lei de iniciativa popular, o qual restou aprovado pela unanimidade dos membros da Câmara e do Senado (já contando nesta data com parecer da Advocacia Geral da União que dá pela sua constitucionalidade).

A iniciativa da sociedade é toda ela voltada à observância dos princípios constitucionais da proteção, da moralidade e da probidade administrativas, todos eles expressamente reconhecidos no aludido § 9º do art. 14 da CF.

São esses os princípios que, ao ver das dezenas de organizações sociais que impulsionaram a Campanha Ficha Limpa, devem ser observados pelo legislador no momento da definição de novas hipóteses de inelegibilidade.

Além disso, o texto final da Lei da Ficha Limpa, que conta com o aplauso do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral acolheu um dispositivo introduzido pelo relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Trata-se do art. 26-C, para o qual chamamos a atenção de Vossa Excelência. Diz o dispositivo:

Art. 26-C O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, quando da interposição do recurso.

§ 1º. Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus.

§ 2º. Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.

§ 3º. A prática de atos manifestamente protelatórios, por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso acarretará a revogação do efeito suspensivo.

Esse artigo é o fruto de um profundo e intenso debate entre parlamentares de todos os partidos e as organizações sociais responsáveis pela iniciativa popular. Ele contempla, de um lado, o reclamo geral pela observância de critérios legais para o impedimento de candidaturas que representem risco social e a observância dos direitos individuais dos candidatos.

Contemplou-se, assim, a possibilidade de participação eleitoral mesmo do candidato já condenado por um grupo plural de julgadores. Mas adotou-se medida compensatória, acorde com a necessidade social de que em tais hipóteses seus recursos sejam efetivamente julgados com maior brevidade.

Encontrou-se, em suma, a seguinte solução: estarão inelegíveis os condenados por órgãos jurisdicionais colegiados; mesmo estes estarão, todavia, admitidos a postular o mandato eletivo, desde que requeiram medida de natureza cautelar e se sujeitem, caso deferida a providência, a um regime de tramitação prioritária para o seu recurso. Aquele que vier a ser eleito após a obtenção da cautelar terá o seu diploma desconstituído se sobrevier a confirmação da condenação.

Trata-se do fruto de um meditado consenso entre a sociedade brasileira e o Congresso Nacional.

II – Inaplicação do princípio da anualidade

Diz o artigo 16 da Constituição que "A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência".

A Lei da Ficha Limpa não altera o "processo eleitoral". Dirige as suas lentes não para o sistema eleitoral, mas para os critérios ético-constitucionais necessários ao registro das candidaturas.

A própria Lei de Inelegibilidades – que o MCCE está querendo alterar por meio da Campanha Ficha Limpa – entrou em vigor em maio de 1990 e foi aplicada para as eleições daquele mesmo ano.

Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte orientação jurisprudencial:

“(…) prevalência da tese, já vitoriosa no Tribunal Superior Eleitoral, de que, cuidando-se de diploma exigido pelo art. 14, § 9º, da Carta Magna, para complementar o regime constitucional de inelegibilidades, à sua vigência imediata não se pode opor o art. 16 da mesma Constituição.” (RE 129.392, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 17-6-1992, Plenário, DJ de 16-4-1993.)

A observância da regra da anterioridade só diz respeito a mudanças que possam favorecer candidatos ou partidos em disputa, surpreendendo adversários e desequilibrando os pleitos. Normas de conteúdo ético-constitucional, como as previstas no Projeto de Lei da Ficha Limpa, não se submetem a tal exigência.

III – Aplicação a fatos anteriores

Sabemos que é usual, na redação de hipóteses de inelegibilidade, que se empregue o verbo no futuro do subjuntivo. Basta ver que a própria Lei de Inelegibilidades (LI), alterada pela iniciativa popular, já utilizava esse tempo de conjugação.

Exemplo disso é o texto atual do art. 1º, I, g, da LI. Segundo o dispositivo, “são inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas  (…)”.

Essa redação estimulou candidatos a, logo após a edição da referida lei, questionarem a aplicação do dispositivo a casos pretéritos. Resultado disso foi a sedimentação da jurisprudência no âmbito do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, as hipóteses de inelegibilidade abarcam, sim, fatos ocorridos no passado.

Vejam o que decidiu o STF:

EMENTA: – CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. INELEGIBILIDADE. CONTAS DO ADMINISTRADOR PÚBLICO: REJEIÇÃO. Lei Complementar nº 64, de 1990, art. 1º, I, "g".

(…)

II. – Inelegibilidade não constitui pena. Possibilidade, portanto, de aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Compl. nº 64/90, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência (MS nº 22087-2, Rel.: Min. Carlos Velloso).

Como se vê, basta que o Supremo Tribunal Federal siga aplicando a sua jurisprudência sobre o tema para que a Ficha Limpa deite seu impacto sobre os que já se amoldam aos perfis repelidos pela inovação legislativa de origem popular.

Não se trata de uma eficácia retroativa, o que só ocorreria se a nova lei permitisse a desconstituição de mandatos obtidos na vigência da lei anterior. O que ocorre é apenas a aplicação de novos critérios de inelegibilidade, sempre baseados na confrontação entre circunstâncias fáticas e o conteúdo da lei.

Quando a Constituição vedou a sucessão por cônjuges e parentes, certamente não se imaginou permitir que aqueles que já estavam nessa condição antes da edição da norma pudessem participar do pleito.

Não se trata, como já se afirmou, de uma retroação do comando normativo, mas da aplicação dos seus efeitos a partir da edição da norma, confrontando-a com eventos passados.

Mas isso não encerra a questão. É que a Lei da Ficha Limpa prevê expressamente sua aplicação aos casos ocorridos antes da sua vigência, o que fica claro quando se lê o seu art. 3º, que se transcreve a seguir:

Art. 3º Os recursos interpostos antes da vigência desta Lei Complementar poderão ser aditados para o fim a que se refere o caput do art. 26-C da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, introduzido por esta Lei Complementar.

Trata-se de norma de transição, voltada a explicitar o mecanismo pelo qual pessoas já condenadas por instâncias colegiadas antes da edição da lei devem agir se pretenderem obter o benefício na suspensão cautelar da inelegibilidade previsto no art. 26-C da Lei da Ficha Limpa.

Referido dispositivo assenta de forma incontestável a incidência da inelegibilidade sobre os que sofreram condenações anteriores à vigência da lei de iniciativa popular.

Há ainda um argumento definitivo, capaz de auxiliar na interpretação do âmbito temporal de incidência da inovação legislativa.
Se fosse possível interpretar o dispositivo de modo a considerar que a aplicação dos novos institutos jurídicos não pode atingir fatos ocorridos no passado, chegaríamos à inadmissível conclusão de que grande parte dos que estariam inelegíveis na vigência da lei anterior estariam agora livres para lançarem-se candidatos.

Ficaríamos, assim, diante de uma situação insustentável: a liberação da candidatura de condenados por decisões criminais, por improbidade e por abuso de poder econômico e político ainda que transitadas em julgado, uma vez que a lei que hoje permite a limitação dessas candidaturas já estará revogada quando do registro das candidaturas.

Ou seja, a lei estaria sendo interpretada de um modo absolutamente inverso ao que motivou milhões de brasileiros e a unanimidade da Câmara e do Senado a vedar as candidaturas que a sociedade quis proibir.

A Campanha Ficha Limpa tem um sentido claro. A sociedade brasileira espera que suas normas sejam aplicadas desde logo, atingindo todos aqueles que estiverem incursos nas hipóteses delineadas na nova lei.

Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral

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