Catequese

Íntegra da Catequese: Discussão teológica saudável na Igreja

Caros irmãos e irmãs
Na última catequese apresentei as características principais da teologia monástica e da teologia escolástica do século XII, que de certo modo podemos chamar respectivamente de "teologia do coração" e "teologia da razão".

Entre os representantes de uma e de outra corrente teológica se desenvolveu um debate amplo e por vezes "quente", simbolicamente representado por controvérsias entre São Bernardo de Chiaravalle e Abelardo. Para entender este confronto entre os dois grandes mestres, é bom recordar que a teologia é a procura de uma compreensão racional, no que é possível, dos mistérios da revelação cristã, crida pela fé – fides quaerens intellectum – a fé que busca entender, para usar uma definição tradicional , concisa e eficaz.

Ora, enquanto São Bernardo, típico representante da teologia monástica, coloca relevo sobre a primeira parte da definição, ou seja sulla fides – sobre a fé – Abelardo, que é escolático, insiste sobre a segunda parte, sobre a compreensão por meio da razão.

Para Bernardo a fé é dotada de uma íntima certeza, fundamentada sobre o testemunho da Escritura e sobre os ensinamentos dos Padres da Igreja. A fé, vem ainda reforçada pelo testemunho dos santos e pela inspiração do Espírito Santo na alma dos simples fiéis. Nos casos de dúvida e a ambigüidade, a fé é protegida e iluminada pelo magistério da Igreja. Deste modo Bernardo tem dificuldade de entender-se com Abelardo, e com aqueles que submetiam a verdade da fé ao exame crítico da razão; um exame que comportavam segundo ele, um grande perigo, ou seja, o intelectualismo, a relativização da verdade, a discussão das verdades de fé.

Em tal modo de proceder, Bernardo via uma audácia prejudicial, fruto do orgulho da inteligência humana, que pretende capturar o mistério de Deus. Em uma carta escreve: "O empenho humano se apossa de tudo, não deixando mais nada a fé. Afronta o que está acima de si, perscruta o que lhe é superior, irrompe no mundo de Deus, altera os mistérios da fé, mais do que lhes ilumina. O que é fechado e selado, não abre, mas o arranca, e o que não consegue alcançar, considera como um nada e se recusa a crer". (Epistola CLXXXVIII,1: PL 182, I, 353).

Para Bernardo a teologia tem um único objetivo: promover a experiência viva e íntima com Deus. A teologia é então um auxílio para amar sempre mais e da melhor forma o Senhor, como ele define no tratado sobre o "Dever de amar a Deus" (De diligendo Deo). Neste caminho existem diversos graus, que Bernardo descreve com profundidade, até o culme quando a alma do fiel se inebria nos vértices do amor.

A alma humana, já sobre a terra, pode alcançar a união mística com o verbo divino, união que o "Doctor Mellifluus" descreve como núpcias espirituais. O Verbo Divino a visita, elimina as últimas resistências, a ilumina, a inflama e a transforma. Em tal união mística, a alma goza de grande serenidade e doçura, e canta ao seu esposo um canto de júbilo. Como recordei na catequese sobre a vida de a doutrina de São Bernardo, a teologia para ele, só pode nutrir-se da oração contemplativa, em outros termos da união afetiva do coração e da mente com Deus.

Abelardo, que entre outras coisas, foi quem introduziu o termo teologia no sentido que entendemos hoje, se coloca ao invés, em uma prospectiva diferente. Nascido em Bretanha na França, este famoso mestre do século XII era ditado de uma inteligência vivíssima e sua vocação era o estudo. Se ocupou primeiramente da filosofia e depois aplicou os resultados alcançados nesta disciplina à teologia, da qual foi mestre na cidade mais culta da época: Paris. Sucessivamente nos mosteiros onde viveu.

Era um orador brilhante, as sua lições eram seguidas por verdadeiras multidões de estudantes. Espírito religioso, mas personalidade inquieta, sua existência foi cheia de acontecimentos interessantes: contestou os seus mestres, teve um filho com uma mulher culta e inteligente, Heloísa. Frequentemente entrava em polêmica com seus colegas teólogos; sofreu condenações eclesiásticas, mesmo morrendo em plena comunhão com a Igreja, a qual se submeteu com espírito de fé. O próprio São Bernardo contribuiu para a condenação de algumas doutrinas de Abelardo no sínodo provincial de Sens em 11140 e solicitou a intervenção do Papa Inocêncio II.

O abade de Chiaravalle contestava, como recordamos, o método exageradamente intelectualista de Abelardo, que aos seus olhos, reduzia a fé a uma simples opinião a parte, da verdade revelada.

Os temores de Bernardo não eram infundados e eram condivididos por outros, até mesmo grande pensadores daquele tempo. Efetivamente um uso excessivo da filosofia tornou particularmente frágil a doutrina trinitária de Abelardo, e assim a sua idéia de Deus.

Em campo moral, o seu ensinamento não era privado de ambigüidade: ele insistia em considerar a intenção do sujeito como única fonte para descrever a bondade ou a malícia dos atos morais, ignorando assim o significado e valor moral das ações, um subjetivismo perigoso. É este – como sabemos – um aspecto muito atual para a nossa época, na qual a cultura aparece frequentemente marcada por uma crescente tendência ao relativismo ético: somente o "eu" que coisa seja boa para mim neste momento. 

Mas não devemos esquecer os grandes méritos de Abelardo, que teve  muitos discípulos e contribuiu decididamente ao desenvolvimento da teologia escolástica, destinada a exprimir-se de modo mais maturo e fecundo no século sucessivo. Não podemos menosprezar algumas de suas intuições, como por exemplo, quando afirma que nas tradições religiosas não cristãs já existe uma preparação para acolher Cristo, Verbo Divino.

O que nós hoje podemos aprender do confronto, as vezes quente, entre Bernardo e Abelardo, e entre a teologia monástica e a escolástica? Antes de tudo creio que isso mostre a utilidade e a necessidade de uma discussão teológica sadia na Igreja, sobretudo quando as questões debatidas não foram definidas pelo Magistério, o qual permanece como ponto de referência imutável. São Bernardo, mas também Abelardo sempre reconheceram a autoridade do magistério. As condenações que Abelardo sofreu, nos recordam que no campo teológico deve haver um equilíbrio entre o que podemos chamar de princípios arquitetônicos nos dado pela Revelação e que tem sempre a importância prioritária,e os pontos sugeridos pela filosofia, ou seja, pela razão, que tem uma função importante, mas somente instrumental.

Quando o equilíbrio entre arquitetura e os instrumentos de interpretação são desprezados, a reflexão teológica corre o risco de ser viciada pelos erros, e é então o Magistério que deve exercer o serviço a verdade  que lhe é próprio. Também é necessário colocar em evidência que entre as motivações que induziram Bernardo a colocar-se contra Abelardo e a solicitar a intervenção do Magistério, foi também a preocupação de salvaguardar os fiéis simples humildes, os quais devem ser defendidos quando correm o risco de serem confundidos o serem desviados por opniões muito pessoais e argumentações teológicas não confiáveis, o que poderia prejudicar a fé deles.

Gostaria de recordar finalmente, que o confronto teológico entre Bernardo e Abelardo se concluiu com uma plena reconciliação entre os dois, graças a mediação de um amigo comum: o abade de Cluny, Pedro o venerável, de quem falei em uma das catequeses passadas. Abelardo mostrou humildade ao reconhecer os seus erros e Bernardo demonstrou grande bondade. Em ambos prevalece o que deve estar verdadeiramente no coração quando surge uma controvérsia teológica, ou seja salvaguardar a fé da Igreja e fazer triunfar a verdade na caridade. Que essa seja também hoje a atitude com a qual nos confrontamos na Igreja, tendo sempre como meta a busca da verdade.

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