Depois de uma longa pausa, gostaria de retomar a apresentação dos grandes escritores da Igreja do Oriente e do Ocidente do tempo medieval, porque, como em um espelho, em suas vidas e em seus escritos vemos o que quer dizer ser cristão. Hoje vos proponho a figura iluminada de Santo Odon, abade de Cluny: essa se situa naquele medieval monástico que viu a surpreendente difusão na Europa da vida e da espiritualidade inspiradas na Regra de São Bento.
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Houve naqueles séculos um prodigioso surgimento e multiplicação dos claustros que, ramificando-se no continente, difundiram largamente o espírito e a sensibilidade cristã. Santo Odon nos reconduz, em particular, a um mosteiro, Cluny, que na idade média esteve entre os mais ilustres e celebrados e ainda hoje revela através de suas majestosas ruínas os sinais de um passado glorioso pela intensa dedicação ao ascetismo, ao estudo e, de modo especial, ao culto divino, circundado de decoro e de beleza.
De Cluny, Odon foi o segundo abade. Nasceu por volta de 880, nos arredores entre Main e Touraine, na França. Foi consagrado pelo pai ao santo bispo Martinho de Tours, sobre sua sombra benéfica e sobre sua memória, Odon caminhou durante toda a vida, até concluí-la ao lado de sua sepultura. A escolha da consagração religiosa foi precedida pela experiência de um especial momento de graça dentro de si, desta, ele mesmo narrou a um outro monge, João o Italiano, que foi depois seu biógrafo.
Odon era ainda adolescente, tinha um dezesseis anos, quando, durante uma vigília de natal, sentiu sair de seus lábios esta oração a Virgem: "Minha Senhora, mãe de misericórdia, que nesta noite deu a luz o Salvador, roga por mim. O teu parto glorioso e singular seja, o piedosa, o meu refúgio". O apelativo "Mãe de Misericórdia, com o qual o jovem Odon invocou a Virgem, será aquele com o qual ele amará sempre dirigir-se a Maria, chamando-a também de "única esperança do mundo, graças a qual nos foram abertas as portas do paraiso".
Ocorreu-lhe naquele tempo encontrar a Regra de São Bento. Ele começou a viver algumas de suas normas, "trazendo em si, não sendo ainda monge, o leve julgo dos monges". Em seu sermão Odon celebrará Bento como a "lanterna que brilha no tenebroso estádio desta vida" e o qualificou como "mestre da disciplina espiritual. Com afeto ele ressaltou que a piedade cristã "com grande doçura faz dele memória, com consciência de que Deus o elevou "entre os sumos e escolhidos Pais da Igreja".
Apaixonado pelo ideal beneditino, Odon deixou Tours e entrou como monge na abadia beneditina de Baume, para depois entrar naquela de Cluny, na qual se tornou abade em 927. Daquele centro de vida espiritual pode exercitar uma grande influência nos mosteiros do continente. Das suas direções e da sua reforma nasceram também na Italia diversos cenóbios, entre esses aquele de São Paulo fora dos muros. Odon visitou mais de uma vez Roma, passando também por Subiaco, Montecassino e Salerno. Foi em Roma que no verão de 942 ficou doente. Sentindo-se próximo ao fim, com todo esforço quis voltar para estar junto ao seu São Martinho de Tours, onde morreu no oitavário do Santo, no dia 18 de novembro de 942.
O biógrafo, ao destacar em Odon a "virtude da paciência", oferece um longo elenco de outras virtudes, como o desprezo do mundo, o zelo pelas almas, o empenho pela paz das Igrejas. Grandes aspirações do abade Odon eram a concórdia entre os reis e príncipes, a observância dos mandamentos, a atenção aos pobres, o emendamento dos jovens, o respeito pelos velhos. Amava a cela onde residia, escondido aos olhos de todos, solícito de agradar somente a Deus. Não deixava porém de exercitar, como "fonte super abondante", o ministério da palavra e do exemplo, "chorando como imensamente miserável este mundo. Em um só monge, comenta o seu biógrafo, se encontraram recolhidas as diversas virtudes dispersas nos outros mosteiros: "Jesus em sua bondade, indo aos vários jardins dos monges, formava em um pequeno lugar um paraíso, para irrigar de sua fonte os corações dos fiéis".
Em um trecho de um sermão em honra de Maria Madalena o abade de Cluny nos revela como ele concebia a vida monástica: "Maria que sentada aos pés do Senhor, com espírito atento escutava sua palavra, é o símbolo da doçura da vida contemplativa, cujo sabor, quanto mais é degustado tanto mais induz o ânimo a destacar-se das coisas visíveis e dos tumultos das preocupações do mundo". É uma concepção que Odon confirma e desenvolve em seus outros escritos, nos quais transparece o amor a interioridade, uma visão do mundo como realidade frágil e precária a se desprender, uma constante inclinação ao desapego das coisas, consideradas como fonte de inquietação, uma aguçada sensibilidade a presença do mal nas várias categorias de homens, uma íntima aspiração escatológica. Esta visão de mundo pode parecer muito longe da nossa, todavia aquela de Odon é uma concepção que, vendo a fragilidade do mundo, valoriza a vida interior aberta ao outro, ao amor ao próximo, e assim transforma a existência e abre o mundo a luz de Deus.
Merece uma particular menção a devoção ao Corpo e ao sangue de Cristo que Odon, o qual deplorava com vivacidade os grandes desmazelos com quais se deparava. Era firmamente convicto da presença real, sob as espécies eucarísticas do Corpo e do Sangue do Senhor, em virtude da conversão "substancial" do pão e do vinho. Escrevia: "Deus, o Criador de tudo, tomou o pão, disse que era o seu corpo e que o ofereceu pelo mundo e distribuiu o vinho, chamando-o seu sangue: "é lei da natureza que aconteça a mutação segundo a ordem do Criador" e por isso, que "imediatamente a natureza muda a sua condição sólida: sem dúvida o pão se torna carne, e o vinho se torna sangue"; com a ordem do Senhor a substância se transforma.
Infelizmente, escreve nosso abade, este "sacrosanto mistério do Corpo do Senor, no qual consiste toda a salvação do mundo, é negligentemente celebrado. "Os sacerdotes, ele adverte, que sobem ao altar indignamente, mancham o pão, isto é o Corpo de Cristo. Somente quem é unido espiritualmente a Cristo pode participar dignamente ao seu corpo eucaristico: caso contrário, comer a sua carne e beber o seu sangue não seria vantagem e sim condenação. Tudo isto nos convida a acreditar com toda a força e profundidade na veracidade da presença do Senhor. A presença do Criador entre nós, que se entrega em nossas mãos e nos transforma como transforma o pão e o vinho, transforma assim o mundo.
Santo Odon foi um verdadeiro guia espiritual seja para os monges que para os fiéis de seu tempo. Diante da "difusão dos vícios" dispersos na sociedade, o remédio que ele propunha com decisão era aquele de uma radical mudança de vida fundada na humildade, na austeridade, no desapego das coisas efêmeras e a adesão àquelas eternas. Apesar do realismo do diagnóstico a respeito da situação de seu tempo, Odon não cai no pessimismo: "Ele afirmava, não digo que se precipitem no desespero aqueles que querem converter-se.
A misericórdia divina é sempre disponível; essa espera a hora da nossa conversão". E exclama: "Oh inefáveis entranhas da piedade divina! Deus persegue as culpas e todavia protege os pecadores". Firme nesta convicção, o abade de Cluny amava colocar-se na contemplação da misericórdia de Cristo, o Salvador que ele qualifica como amante dos homens. Jesus tomou sobre si os flagelos que caberiam a nós, observa, para salvar assim a criatura que é obra sua e que ama.
Aparece aqui um traço do santo abade a primeira vista, quase escondido sob o rigor da sua austeridade de reformador: a profunda bondade de sua alma. Era austero, mas sobretudo era bom, um homem de uma grande bondade, uma bondade que provinha do contato com a bondade divina. Odon, assim nos dizem os seus contemporâneos, infundia ao seu redor a alegria da qual era pleno.
O seu biógrafo atesta que nunca ouviu sair da boca de um homem "tanta doçura nas palavras". Tinha o habito, relembra o seu biógrafo, de convidar ao canto as crianças que encontrava pela estrada para depois dar-lhes algum pequeno presente, e acrescenta: "As suas palavras eram cheias de júbilo… o seu bom humor infundia no nosso coração uma alegria profunda. Deste modo o vigoroso e ao mesmo tempo amável do abade medieval, apaixonado pela reforma, com ação incisiva alimentava nos monges, como também nos fiéis leigos de seu tempo, o propósito de progredir com passos firmes no caminho da perfeição cristã.
Esperamos que a sua bondade, a alegria que provém da fé, unidas a austeridade e a oposição aos vícios do mundo, toquem também o nosso coração, a fim de que também nós possamos encontrar a fonte da alegria que brota da bondade de Deus.
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