Em todo o Brasil, as igrejas cristãs vivem, durante estes dias, entre o domingo da Ascensão de Jesus e o de Pentecostes, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Tradicionalmente, a Semana de Oração é celebrada de 18 a 25 de janeiro, conforme proposto pelo presbítero anglicano, Paul Wattson, na Celebração da"Oitava pela unidade da Igreja", em 1908. O período abrangeria, portanto, a festa de São Pedro e São Paulo.
Já no Hemisfério Sul, onde o mês de janeiro é um período de férias de verão, foi escolhida outra data nas proximidades da festa de Pentecostes, o que representa também uma outra data simbólica para a unidade das igrejas.
O assessor da Comissão Episcopal para o Diálogo Ecumênico e Interreligioso, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), padre Elias Wolff, explica os objetivos da Semana de Oração de 2009 e como foi criada. Além disso, esclarece as principais diferenças entre ecumenismo e diálogo interreligioso.
noticias.cancaonova.com – Qual a motivação do tema deste ano, "Unidos em tua mão"? Quais são os seus objetivos?
Padre Elias Wolff – O tema é tirado do livro de Ezequiel, capítulo 37, versículo 17. É um tema muito significativo, já pela sua origem, pois foi escolhido pela Conferência Episcopal da Coreia do Sul e pelo Conselho Nacional de Igrejas da Coreia. Assim, os dois organismos foram os que prepararam o tema, o lema, e o livro explicativo sobre a semana de oração. A escolha se deve pela própria divisão política das duas Coreias e devido à divisão dos cristãos. O texto de Ezequiel traz o simbolismo de dois pedaços de madeira unidos, representando a proposta de Deus para a união dos dois reinos, Norte e Sul, que dividiam o povo de Israel. Uma conferência internacional também colaborou com a conferência dos bispos católicos da Coreia. Assim, essa equipe ampliada também tinha representantes do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos e também da Comissão de Fé e Ordem do Conselho Mundial de Igrejas (CMI).
noticias.cancaonova.com – Desde quando existe a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos? E como é marcada a cada ano?
Padre Elias Wolff – Desde de 1908, o presbítero anglicano, Paul Wattson, propunha uma semana de oração pela unidade dos cristãos, ficando este ano como o marco inicial. No ano passado, portanto, celebramos o centenário. E essa proposta foi ganhando força e fazendo história. No hemisfério sul, nós realizamos a semana no período entre o domingo da Ascensão de Jesus e o de Pentecostes, momento que tem grande valor simbólico para a unidade, em que esperamos o Espírito de Pentecostes, o Espírito da unidade. Já no hemisfério norte, a semana acontece sempre entre os dias 18 e 25 de janeiro, num período que envolve a festa de São Pedro e São Paulo, caracterizando também um grande valor simbólico, pois eles são as duas colunas da Igreja. É importante perceber que esta semana já tem um século de história.
noticias.cancaonova.com – Como tem sido o caminho de diálogo ecumênico e interreligioso, pelo país e no mundo?
Padre Elias Wolff – No Brasil, muitos organismos promovem o diálogo ecumênico e interreligioso. Tratando mais especificamente do diálogo ecumênico, é bem conhecido o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), que é formado hoje por seis igrejas e promove vários momentos de encontro, seminários de estudos, debates e convivência entre as igrejas cristãs do Brasil. Uma outra instituição é a Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE), criada em 1973 e com sede em Salvador. A CESE se preocupa mais com a dimensão social do ecumenismo, ou seja, os projetos sociais acompanhados e promovidos pela igrejas integrantes da coordenadoria. Na Igreja Católica, temos também a Comissão Episcopal para o Diálogo Ecumênico e Interreligioso. Esta comissão é composta por três bispos e um assessor e, no momento atual, eu sou o assessor, e ela tem como finalidade fazer com que a Igreja no Brasil viva o ensinamento ecumênico do Concílio Vaticano II e assumir a orientação ecumênica da Igreja universal de acordo com a nossa realidade. São algumas das iniciativas ecumênicas do Brasil.
Outras igrejas, como a Luterana, Anglicana, Presbiteriana, também tem suas iniciativas e muitos outros organismos ecumênicos, como o Conselho Latino Americano de Igrejas (CLAI). Em nível mundial, creio que a maior expressão de diálogo ecumênico seja o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), criado em 1948, em Amsterdã, Holanda, e que congrega, hoje, cerca de 350 igrejas. É um organismo com grande expressão na promoção do diálogo, na cooperação entre as igrejas, nos projetos de evangelização e também em estudos sobre questões teológicas e doutrinais que buscam unir os cristãos numa só fé.
noticias.cancaonova.com – Como pode ser avaliada essa busca pela unidade no pontificado do Papa João Paulo II e agora de Bento XVI?
Padre Elias Wolff – João Paulo II foi o grande promotor do ecumenismo. Muitas foram as iniciativas por ele tomadas, como visitas e recepção de líderes de outras igrejas. Foi, por exemplo, ao CMI, promoveu diálogos interreligiosos com encontros em Assis e Roma, e foi o primeiro papa que escreveu uma encíclica, 'Ut unum sint', de 1996, falando especificamente do ecumenismo. O Papa Bento XVI dá continuidade a esse ensinamento ecumênico dos papas anteriores. Percebemos que, em quase toda semana, Bento XVI faz um pronunciamento a favor do ecumenismo e do diálogo das religiões. Em todas as suas visitas, há sempre agendado um encontro com líderes de outras igrejas ou de outras religiões. Assim foi quando veio ao Brasil para abrir a Conferência de Aparecida, quando também teve encontros com representantes de outras igrejas. Agora, recentemente, em sua viagem à Terra Santa, também participou de reuniões com líderes de outras religiões e fez belíssimos pronunciamentos a favor do diálogo interreligioso. Eu creio que os nossos papas estão buscando viver aquilo que a Igreja afirma no Concílio Vaticano II, ou seja, que o ecumenismo é fruto do Espírito Santo, a busca da unidade e cooperação dos cristãos é uma graça, é um dom que Deus nos dá e, ao mesmo tempo, uma vocação, um serviço, um compromisso que nós temos.
E os papas tem consciência de que isto faz parte da nossa identidade cristã e também da nossa identidade eclesial. Hoje, um cristão católico é ecumênico pela sua consciência cristã e de Igreja. Basta ler os documentos da Igreja e perceber que nós não podemos dizer que ecumenismo não tem nada a ver conosco. Pelo contrário. Como eu costumo sempre dizer, quem é católico e não é ecumênico, não apenas está falhando com relação ao Evangelho de Jesus, mas também está desobedecendo ao magistério da Igreja e aos documentos dos papas que promovem o ecumenismo. Portanto, ser católico significa também ser ecumênico.
noticias.cancaonova.com – Qual é a diferença entre ecumenismo e diálogo interreligioso?
Padre Elias Wolff – O diálogo ecumênico acontece entre os cristãos. Historicamente, tem sido assim. Desde 1910, aconteceu o primeiro encontro de missionários, em que buscavam responder à pergunta "o Cristo que nós pregamos serve mais para unir ou para dividir aqueles que nos unem". Esta foi a grande questão na conferência de Edimburgo, na Escócia, em 1910. Digamos que essa conferência é o marco inicial do movimento ecumênico que busca a unidade dos cristãos. Então, ser ecumênico é, com base na fé em Cristo Jesus, no Evangelho e na consciência de Igreja, dialogar com outro cristão, buscando o entendimento mútuo. São muitas as tradições cristãs e, entre elas, há muitas divergências na compreensão do Evangelho, do que é ser igreja, dos sacramentos e, apesar disso, todos nos dizemos cristãos. Então, ser ecumênico é procurar superar as divergências ou até mesmo o que pode provocar contradição entre os cristãos. É também buscar elementos que nos unem numa mesma fé. É sermos discípulos de Jesus. Nós, enquanto cristãos, não podemos nos sentir confortáveis com a situação de separação dos cristãos. É o grande desejo de Jesus: "Que todos sejam um". Assim, nós esperamos que, um dia, na graça do Espírito Santo, os cristãos do mundo inteiro possam se reconhecer, confessando a mesma fé em Jesus Cristo e no seu Reino.
Já o diálogo das religiões é o encontro entre as tradições religiosas. Nós não buscamos comunhão na fé, porque as diferenças na compreensão de Deus, do sagrado, do transcendente e da vida são muito grandes. O que se busca, portanto, é favorecer uma convivência pacífica entre as religiões, isto é, entre cristãos, mulçumanos, hindus, xintoístas, tradições afro-brasileiras. Cada religião, mantendo sua verdade de fé, pode cooperar com outra tradição religiosa na busca da paz no mundo, na superação da injustiça social, da violência e de todos os elementos que ferem a dignidade humana e que também ameaçam a vida do planeta. É isto que se busca: uma cooperação das religiões por um mundo melhor.
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.: Entenda objetivo da semana de oração pela unidade dos cristãos
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