Eleições 2008

Especialista fala sobre aliança e fidelidade partidária

Eleições 2008. O diretor da Escola Superior de Direito Constitucional, Dr. Marcelo Lamy, fala em entrevista ao Canção Nova Notícias, sobre partidos políticos e estruturas ideológicas, reforma política, fidelidade e aliança partidária.

CNNotícias: Existem partidos com estrutura ideológica no País?

Dr. Marcelo: Um dos problemas sérios para democracia efetiva (democracia pelo sistema direto), é que nós temos que ter uma identificação clara entre o que nós estamos elegendo como opção ideológica. Quando se criou sistema de representação partidária, ou seja, o caminho da democracia através de representantes eleitos de um determinado partido, se imaginou nesta criação isso, que escolhêssemos um posicionamento ideológico – porque nós somos liberais, escolhemos determinadas linhas de pensamento relativas ao capitalismo; porque nós somos mais socialistas, identificamos aquelas ideologias próprias de um atendimento mais comunitário…

Então, esta identificação ideológica é necessária para que exista um sistema de representação direta através dos partidos políticos. Infelizmente, o Brasil ainda carece de evolução partidária. Os partidos foram criados, houve uma amplificação da quantidade de partidos muito significativa e muito importante para a democracia, porque é importante representar todas as facetas da sociedade. No entanto, ainda não se consolidou uma ideologia partidária.

Os partidos, efetivamente, apresentam uma proposta. É necessário que se identifique uma proposta para consolidar o partido. Essa ideologia é muito nebulosa de forma que ao ler o programa partidário de um determinado partido e lermos o programa partidário de um partido oposto, identificamos semelhanças. Curiosas semelhanças. Porque se utilizam termos tão genéricos que cabem todos os posicionamentos. Isso acaba dando uma margem de liberdade para o partido que nos incomoda.

O partido, hoje, se posicionando em determinada linha e daqui há dois anos, se posiciona da forma contrária. Incrivelmente algumas vezes, este posicionamento contrário, ainda é compatível com seu programa partidário. Falta uma ideologia mais densificada, com mais peso.

CNNotícias: Ao todo são 27 partidos políticos, mas que aparentemente não possuem atividades internas que envolvam os filiados de modo a permitir que eles influenciem nas decisões gerais. Pode-se dizer que há poucas exceções?

Dr. Marcelo: Os partidos são compostos por pessoas. Estas pessoas que efetivamente fazem o partido ser algo, ou ser algo diferente. Nós vivenciamos no Brasil, uma alternância muito significativa de pessoas dentro de cada partido. Hoje nós temos um agrupamento no partido, daqui há duas eleições nós não identificamos o mesmo grupo.

Como é que pode um partido ter o mesmo posicionamento, ficar da mesma forma se as pessoas que o compõem estão se modificando. Não é porque nasceram novas pessoas, novos políticos, ingressaram jovens na carreira, mudou o quadro partidário… São os mesmos políticos que há vinte anos estavam no partido e hoje estão em outro, já passaram por três, quatro… e nesta ciranda de mudanças de conjuntos partidários, os partidos logicamente vão sendo cada vez mais modificados e cada vez mais semelhantes. As pessoas mudam muito pouco.

CNNotícias: Mesmo com posicionamentos tão semelhantes, e, embora, os partidos se modifiquem, o que dá a eles o direito de exigir fidelidade do representante eleito pelo povo e até mesmo de exigir a expulsão do parlamentar?

Dr. Marcelo: A lógica jurídica do sistema criado exige fidelidade partidária. Não há dúvida disso. No entanto, esta questão jurídica está passando ao lado da realidade. A realidade não é está descrita pela ordem jurídica. Em verdade, a exigência de fidelidade do parlamentar ao partido, é algo muito curioso porque o partido não tem esta realidade de continuidade ideológica.

Eu gosto muito de diferenciar. Quando nós falamos de fidelidade partidária, infelizmente esta expressão mascara outra realidade. Em termos lingüísticos, mais precisos, quando falamos fidelidade partidária, deveríamos falar da fidelidade do partido aos eleitores, porque assim é partidário. Quando nos referimos a fidelidade do parlamentar, nós deveríamos falar parlamentar. Esta é outra questão. A fidelidade partidária não é exigida no Brasil. Estes programas apresentados pelo partido são modificados e podem ser modificados pela assembléia do próprio partido eleitoral.

É curioso isso. É permitido alterar ideologicamente um partido e deve-se permitir. Afinal de contas, estamos em uma democracia. As pessoas podem mudar de idéia. No entanto, a discussão da mudança do sistema ideológico de um partido para um sistema eleitoral é um assunto que ninguém discute.

O que se discute? Ah, vamos pegar os parlamentares e exigir fidelidade deles. Vamos exigir fidelidade do parlamentar a que?Àquela ideologia que pode ser cambiante? Ser modificada? Que pode ser alterada? E, como muitos fatos nos falam mais que as teorias, verificamos que muitas vezes a mudança de posicionamento do partido político se dá por conveniências circunstanciais.

Porque atingiu-se uma coalizão, uma coligação de interesses recíprocos. Então vem uma bancada e fala: nós precisamos de tal projeto. Não temos número suficiente para aprovação deste projeto. Então busca-se um partido que é contra aquele projeto e faz-se um acordo, uma coalizão… A fidelidade parlamentar, não partidária, deve ser ao partido ou ao eleitor? Esta é a questão que mais me inquieta e que me leva a pensar que a fidelidade partidária não está sendo tratada hoje e, como foi reconhecida pelo Supremo, me parece ser equivocada.

CNNotícias: O que seria o ideal?

Dr. Marcelo: O ideal seria que nós efetivássemos uma reforma partidária, não uma reforma política. Vamos exigir que partido tenha uma permanência ideológica, pelo menos até o término do tempo pelo qual elegeu seus representantes, em quatro anos ou em oito, porque nós também temos os senadores.

Que mantenha esta ideologia por este tempo, por este lapso que o sistema eleitoral exige. Uma vez mantida esta ideologia, que nas campanhas eleitorais isto fique claro. Porque também não fica. Geralmente as campanhas eleitorais são ancoradas em pessoas. Em quem é que você vai votar, não no partido.

Elaboramos um sistema de votar através de partidos, e nenhum eleitor vota em partido… Por que será que nos debates parlamentares acusa-se tanto as pessoas? O nosso sistema real, eleitoral, está vinculado a isso, quem é o fulano e não de que partido ele é.

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