“É bênção sobre bênção, é bênção sobre bênção, vivemos cada dia no Senhor”, é assim que cada uma das pessoas que cumpre pena na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) de Pouso Alegre (MG), canta os seus dias.
Para cantar a liberdade é preciso ser paciente, e paciência se adquire com o tempo. Quando adquirida, torna-se uma dádiva, um presente divino que podemos levar para o resto da vida.
Condenados a pagar por seus erros, cada um dos internos traz em si sinais de uma vida cheia de desacertos, marcas que vão muito além de cicatrizes e tatuagens bem visíveis.
Acostumados ao tratamento desumano do sistema carcerário comum, não há condenado que não se espante ao chegar na APAC. “Aqui é muito diferente. Temos banho quente, café, almoço e jantar no refeitório; também temos um momento de oração ali no salão”, afirma um dos recuperandos.
Fora da APAC, o medo, a humilhação e o negativismo predominam. Os olhos famintos de um sistema impiedoso não faz distinção dos que estão no presídio cumprindo sua pena e de seus familiares, que vão apenas os visitar.
“Ali, não conseguem nos ver como um ser humano, até mesmo as visitas que recebemos passam por um constrangimento muito grande. Lá embaixo [presídio comum], são 26 pessoas em uma cela que caberiam apenas seis. Lá, você tem muita sorte se conseguir uma cama; fora isso, têm que se virar para ter um lugar onde dormir”, acrescenta o recuperando.
Os presos que passaram por esse sistema comum não se arrependem de ter saído de lá, pois os dias de sofrimento, as celas lotadas e muitas humilhações se foram e não vão voltar.
Na APAC, a primeira coisa que se nota ao chegar na instituição é a recepção. Não há guardas nem armas; as pessoas, os familiares que vão visitar seus parentes não passam pela humilhação de serem revistadas. Em cada um dos quartos [celas] cabem seis pessoas, e cada uma delas tem sua cama, seu espaço. Todas as celas são abertas e fechadas por um dos detentos.
“Um amigo, que estava junto comigo lá embaixo [presídio], pegou meus dados. Foi ele quem me ajudou com a carta aqui para a APAC. Logo fiz a entrevista e, 15 dias depois, eu já vim pra cá. Passo meus dias lutando para deixar essa casa em ordem, dá um pouco de trabalho, mas, com a vontade de Deus e a colaboração de todos, a gente consegue”, afirma Francisco Helton, (25), vice-presidente do Conselho Disciplinar, Conselho de Sinceridade e Solidariedade, que está preso há um ano e oito meses, dos quais seis meses na APAC.
O trabalho, as oficinas, a oração e o momento para o lazer ajudam a ocupar a cabeça, não dando tempo para os maus pensamentos. Cada um dos detentos tem sua obrigação na casa, que vai desde os cuidados com as plantações e os animais, até o abrir e fechar das celas, portas e portões da instituição. A confiança adquirida pelos internos é tão grande, que não se ouve falar de acidentes ou rebeliões dentro da APAC. Ali, recuperando cuida de recuperando em todos os sentidos. Dos cuidados com a aparência aos cuidados com a saúde, cada uma das pessoas que lá estão dão um grande exemplo ao pensar no bem comum.
Na APAC, o ser humano é visto como tal, suas ações passadas não interferem em como ele é tratado, mas isso não significa que sua pena, punição pelos seus erros passados, deve ser posto de lado. Muitos dos que ali estão reconhecem seus erros e têm um olhar no futuro, pensam na liberdade que os aguarda, mas também pensam na dificuldade que terão de enfrentar: olhares de indiferença e julgamentos preconcebidos. Ex-presidiários serão sempre presidiários? “Querendo ou não, quando você tem passagem [pela polícia], a sociedade vai te olhar com outros olhos, ela julga a gente muito pelo nosso passado, não conseguem ver a gente como um ser humano que errou e está tentando recomeçar”, diz Edílson (37), há quatro meses na APAC.
Mesmo diante das dúvidas e incertezas quanto ao que está por vir, não há quem não seja grato pelo que está vivendo naquele lugar. É possível perceber em cada olhar um brilho de esperança. A disposição em fazer o bem vai sempre trazer à tona o que o ser humano tem de melhor. “O pessoal aqui está disposto a nos fazer melhor, a nos ajudar a caminhar. Se houvesse outros modelos de APAC pelo Brasil, acredito que muita coisa seria diferente”, afirma Francisco Helton.
As sementes que foram lançadas e caíram em terra boa, aos poucos, mostram seus frutos. Os pensamentos de quem se adapta ao que é proposto pela entidade se mostram cada vez mais diferentes: “Antes, quando eu estava no presídio comum, a minha mente era totalmente voltada para o crime, mas aqui eu vejo diferente. Isso não é vida pra mim”, conclui ele.
Alguns se agaram às lembranças que têm da família – mães, pais, irmãos e filhos. A esperança ali possui rosto e nome. Imagens de entes queridos, que vem e vão com o passar do tempo, fazem a aumentar a ansiedade de quem, dia e noite, sonha com a liberdade.
“É benção sobre bênção, é bênção sobre bênção, vivemos cada dia no Senhor”.
O último censo penitenciário, realizado em junho de 2014 pelo Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, revela que, no Brasil, há mais de meio milhão de pessoas custodiadas no Sistema Penitenciário, entre elas 37 mil são mulheres e 542 mil são homens.
O Estado de Minas Gerais tem dedicado recursos para construção de APACs, recomendadas pelo Tribunal de Justiça desde 2006. Conforme indica a Secretaria de Estado de Defesa Social, uma vaga nos estabelecimentos construídos para abrigar os presos de APAC tem custado um terço do valor da vaga de uma penitenciária do sistema comum.
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