Entrevista

Em entrevista, Papa Francisco critica a violência contra a mulher

À emissora mexicana Televisa, o Santo Padre respondeu a diversas questões com relação ao seu pontificado e ao estado do mundo

Da redação, com Vatican News

Em uma entrevista concedida à jornalista Valentina Alazraki, da emissora Mexicana Televisa, o Papa Francisco discutiu diversos assuntos. Confira os principais excertos desta conversa publicada pelo Vatican News.

Valentina Alazraki ― Papa Francisco, falando de violência, há um tema sobre o qual fala-se muito, que é a violência contra as mulheres, os feminicídios. Tenho esta correntinha que me foi dada por uma mulher que teve seu marido assassinado na sua frente, ela estava grávida. E esta é uma blusa que me pediram para lhe entregar. É de uma mulher que foi morta diante de seu filho. Um caso contrário. E pediram para lhe entregar para que o senhor pense em todas as mulheres vítimas da violência, no México e no mundo. Ela chamava-se Rocío.
Papa Francisco ― Rocío… aqui há uma vida de sofrimento, uma história que termina com violência, injustiça e dor.

Valentina Alazraki ― Fala-se de estatísticas, porém esta chama-se Rocío, ou se chama Grecia, ou Miroslava, enfim são nomes… São nomes, pessoas em carne e osso. Não se entende porque está nascendo esta violência de gênero contra a mulher todos os dias na Itália, na Espanha, no mundo inteiro. No México… não são estatísticas, são mulheres. Na sua opinião, por que há este ódio contra as mulheres que leva a tantos feminicídios…
Papa Francisco ― Hoje eu não saberia dar uma resposta sociológica. Todavia, ousaria dizer que a mulher ainda está em segundo lugar… em segundo lugar. Em uma viagem aérea contei-lhes como começaram as jóias das mulheres. Recordam? Bom… desde a época pré-histórica se é verdade ou não, veremos… a mulher está ali. Isso está no imaginário coletivo. Caso a mulher obtenha um cargo importante, com grande influência, então ficamos sabendo de casos de mulheres fantásticas. Porém no imaginário coletivo diz-se: olha, é mulher e conseguiu! Conseguiu ganhar o prêmio Nobel! Inacreditável. Vê-se o gênio literário que se expressa nestas coisas. E a mulher em segundo lugar. E do segundo lugar passar a objeto de escravidão não precisa muito. É suficiente caminhar pela Estação ferroviária Termini, pelas ruas de Roma para ver. E são mulheres na Europa, na culta Roma. São mulheres escravas. Porque é isso o que são. Porém passar dessa situação para matá-las… Quando visitei um centro de recuperação para jovens no Ano da Misericórdia, tinha uma jovem com a orelha arrancada, porque não tinha levado dinheiro suficiente ao seu patrão. Essas pessoas controlam os clientes de modo especial, então se a moça não faz o seu dever é espancada ou é punida como aconteceu com aquela jovem. Mulheres escravas. Li há pouco o livro de Nadia Murad, “Eu serei a última”, deu-me de presente quando veio aqui em Roma. Aconselho a quem não leu. Ali está concentrado, mesmo sendo em uma cultura especial, tudo o que o mundo pensa das mulheres. Um mundo sem mulheres não funciona. Não porque é a mulher que tem os filhos, deixemos de lado a procriação. Uma casa sem uma mulher não funciona. Há uma palavra que está para sair do dicionário, porque causa medo em todos: a ternura. É patrimônio da mulher. Porém, daqui ao feminicídio, à escravidão, o passo é breve. Qual é o motivo do ódio, não saberia explicar. Talvez algum antropólogo poderá explicar melhor. E como se cria este ódio, matar mulheres é uma aventura? Não sei explicar. Mas é evidente que a mulher continua em segundo plano e a expressão de surpresa quando uma mulher tem sucesso indica isso muito bem.

Valentina Alazraki ― Na América Latina o senhor conheceu bem essas realidades. Agora estou escrevendo um livro que terá como título “Grécia e as outras”, que fala justamente das mulheres vítimas, de um modo ou de outro, de violências. Impressionou-me a coragem das mulheres mexicanas e latino-americanas. Fazem tudo sozinhas. São mães, muitas vezes mães-avós, cuidando dos netos, responsáveis em todos os sentidos da família, porque os maridos, ou foram mortos ou são alcoólatras ou têm problemas. São mulheres heroínas…
Papa Francisco ― Papa Francisco: Veja bem, a mulher sempre tende a esconder a fraqueza, a salvar a vida. Há uma imagem que ficou particularmente marcada em mim: a fila de mães ou de mulheres que vejo sempre, quando chego em um cárcere, esperando para entrar e visitar os filhos, ou o marido encarcerado. E todas as humilhações que devem suportar para conseguir fazer isso. Ficam nas ruas. Passam os ônibus, as pessoas ficam olhando para elas. Mas elas não se importam com isso. Pensam, o meu amor está ali dentro.

Valentina Alazraki ― Têm uma grande coragem.
Papa Francisco ― Fantásticas. Fantásticas e guerreiras. Recorda-me sempre o caso do Uruguai na Grande guerra civil. Foram as mulheres mais gloriosas da América, porque depois daquela guerra tão injusta, defenderam a pátria, a cultura, a fé e a língua. Sem se prostituir e continuando a procriar. Fantástico!

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