NO LIMITE

Psicólogos comentam o impacto da pandemia no cotidiano dos médicos

As restrições impostas pela pandemia foram difíceis a todos, e para os médicos que atuam na linha de frente não foi diferente

Thiago Coutinho
Da redação

Estimativas do CFM aponta aumento no nível de estresse entre os profissionais de saúde / Foto: Boyloso by Getty Images

Uma pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), entre setembro e outubro de 2020, revelou que houve aumento no nível de estresse entre os profissionais da área de saúde, especialmente aqueles que estão à frente do combate à pandemia (veja mais informações no quadro ao final deste texto).

E estes fatores têm impacto direto na vida e no bem-estar destes profissionais. Podem-se agravar quadros de depressão, síndromes e toda sorte de problemas pela estafa na jornada excessiva de trabalho.

Para alguns médicos, deparar-se à nova realidade imposta pela pandemia não foi fácil. “A adaptação pra gente foi bem difícil”, afirma Daniela de Souza Vilela, residente em clínica médica no Rio de Janeiro.

“No início, ainda estávamos bem ansiosos e nervosos com aqueles pacientes, a gente nunca tinha visto aquela doença, e o que a gente tinha eram relatos de outros países, que não eram nem um pouco animadores. Era uma situação de medo no início, principalmente de pegarmos a doença e levarmos para dentro de casa, contaminarmos quem a gente ama por uma escolha nossa de profissão. Os primeiros plantões que fiz no covidário [local que se destina ao atendimento de doentes com suspeita ou confirmação por Covid-19] tinham um nível de tensão muito alto”, relata.

Além de todos estes empecilhos, a adaptação ao uso dos Equipamento de Proteção Individual (EPI) foi algo incômodo para Daniela. “A máscara dói, machuca o rosto, os óculos embaçam, o ‘faceshield’ [protetor facial] dá dor de cabeça. Sem contar que o uso desses equipamentos assusta um pouco o paciente, é meio que uma barreira entre a gente, e dificulta um pouco na aproximação, na relação médico-paciente, o que é bem complicado, porque a maioria deles está com muito medo e é parte do nosso trabalho o acolhimento, tranquilizar, ajudar na parte emocional dele, que é muito importante”, detalha.

Como lidar com a pressão?

Para o psicólogo Ricardo Milito, é importante que os médicos compartilhem entre si as experiências vividas no ambiente de trabalho e procurem ajuda profissional com especialistas em saúde mental.

“Saiba que você está fazendo o melhor que pode”, ressalta o especialista. “Compartilhe as situações com outros profissionais, escute outras opiniões e lembre-se de que, às vezes, será impossível tomar uma decisão perfeita. Converse com pessoas de outras áreas, familiares e amigos. Procure também serviços e profissionais da saúde mental”, acrescenta.

Manter uma dieta saudável e uma rotina com exercícios físicos também é importante, segundo Milito. “É importante fazer exercícios físicos e evitar formas não saudáveis de lidar com o estresse como o abuso de álcool ou outras drogas, que pioram o seu bem-estar físico e mental.

Lembre-se de que o fato de estarmos em uma pandemia não significa que você seja incapaz ou desqualificado. Estamos lutando com algo muito maior”, ponderou.

Para a psicóloga Maria Elvira da Cunha, é fundamental que os profissionais que se sentem sobrecarregados exteriorizem este sentimento. “Falar sobre seus sentimentos e emoções significa dar espaço e lugar a eles, aceitá-los, sem criticar a forma como se sente. As suas emoções também precisam de cuidado, não devem ser ignoradas”, aconselha.

Ajuda profissional

Daniela recorda momentos em que as pessoas aplaudiam os médicos quando passavam pelos pacientes. Por dentro, porém, sabia que não poderiam salvar todos e que, além disso, também estavam tão assustados quanto os outros.

“A gente não poderia salvar todo mundo, porque eu sabia que também estávamos assustados. Mas, ao mesmo tempo, nunca vi um médico se recusar a estar ali”, relembra.

A médica também reforça que os profissionais com quem trabalhou acompanham de perto os pacientes — vibram e sofrem. “A gente guarda o nome dos pacientes que precisou internar e vai acompanhando pelo sistema a internação deles. Todo mundo faz isso: sofre quando piora, vibra quando têm alta”, afirma.

É importante, de acordo com Milito, que os gestores dos locais em que estes profissionais atuam também estejam atentos à saúde mental deles. “Faça escalas respeitando as folgas para todos funcionários e os incentive a utilizar os serviços de apoio psicossocial e mental. Ofereça programas de saúde mental, psicólogos de plantão, plataformas de meditação e psicoeducação, para que aprendam a gerenciar o estresse. Ao demonstrar empatia e cuidado poderá aumentar o ânimo e disposição da sua equipe”.

Maria Elvira, por outro lado, recomenda que os diretores dos hospitais criem ambientes em que os profissionais possam se encontrar e compartilhar conversas e experiências. “Um espaço onde os sentimentos possam ser colocados, discutidos e encaminhados de acordo com a realidade de cada um e no coletivo”, examina a psicóloga. 

Uma nova realidade negada

O futuro ainda é incerto, mas especialistas apontam que esta não será a última pandemia a assolar a humanidade. E ainda há uma boa parte da população que se nega a aceitar este fato. Não evitam se aglomerar, não usam máscara e não acreditam na doença.

“Pra mim, é como você negar o óbvio, tipo o ar”, declara Daniela. “Se você não sofreu perdas pelo Covid, se não teve casos próximos ou se passou bem pela doença, considere-se sortudo ao extremo, eu já vi uma família toda em estado grave, mãe e filho intubados, pai e mãe no mesmo CTI. Negar isso é invalidar o sofrimento de tanta gente, a dor de tanta gente”, exalta a médica.

O fato é que os cuidados com a saúde física e mental, se antes eram necessários, agora são essenciais. “Somente dessa forma, podemos aprender mais sobre o autoconhecimento, adotar novos hábitos saudáveis e se prevenir de doenças e transtornos psicológicos”, reforça Milito.

Maria Elvira reforça a necessidade de a humanidade rever sua relação com o meio ambiente. “Precisamos priorizar as conexões significativas em nossas vidas, escutar os sons e a vida ao redor, para entender o que humaniza ou maltrata”, diz. 

Daniela vai além e pede que as pessoas respeitem a ciência. “A doença é real, a gravidade é real. A opinião da gente não vale mais que a ciência, do que dados comprovados. Aquela história, não dá pra combater uma opinião pessoal, uma visão pessoal, com argumentos e dados científicos”, finaliza.

Evite nomes e testemunhos muito explícitos, pois o seu comentário pode ser visto por pessoas conhecidas.

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