Dia Mundial da Água

ONU: Mesmo com direito à água, bilhões não têm acesso ao recurso

Socióloga, engenheiro e geógrafo comentam dados do último relatório das Nações Unidas sobre o acesso à água no mundo

Julia Beck,
Da redação

No Brasil, 35 milhões não são atendidos com abastecimento de água tratada/ Foto: Wesley Almeida (CN)

“A água tem uma importância fundamental para a manutenção da vida no Planeta. A sobrevivência da espécie humana está intimamente ligada a dependência desse recurso natural, além de estar ligada também à conservação e equilíbrio da biodiversidade do Planeta. Ao longo de milhares de anos o homem viveu, desenvolveu e ocupou os territórios com base nesse bem natural, tão valioso que é a água”. Esta afirmação da bióloga Bruna Bertioti, revela nesta sexta-feira, 22 – Dia Internacional da Água, que a relação entre o homem e a água é indissociável.

Elemento fundamental na fisiologia humana, a água é compreendida jurídica e socialmente como um direito humano. Apesar do reconhecimento internacional deste fato, o último Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, divulgado na última quarta-feira, 19, traz dados alarmantes. Segundo o resultado da pesquisa, dois bilhões de pessoas no mundo são privadas do direito à água.

Um direito prescrito durante a Assembleia Geral das Nações Unidas em 2010 e reconhecido de forma explícita em 2015, que obriga os Estados a agirem rumo à obtenção do acesso universal à água e ao saneamento para todos, sem discriminação, ao mesmo tempo em que devem dar prioridade às pessoas mais necessitadas.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 6, da Agenda 2030, também visa garantir a gestão sustentável e o acesso à água e ao saneamento para todos até 2030. Porém, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), apesar dos progressos significativos obtidos nos últimos 15 anos, esse objetivo é inalcançável para grande parte da população mundial.

Transformar o direito em realidade

Socióloga Lúcia Rangel/ Foto: Reprodução CN

O Relatório Mundial das Nações Unidas ainda apontou os refugiados como especialmente vulneráveis e reforçou o enfrentamento de sérios obstáculos por parte dos mesmos, no acesso ao fornecimento de água. “É trágico. O que temos tido, principalmente nos últimos anos, é um número crescente de refugiados em várias regiões do mundo, e esses refugiados acabam ficando em situação de alta vulnerabilidade, quer dizer, eles vão a lugares, campos e agrupamentos onde a questão da água não é levada a sério, quer dizer, ali não abastece estes refugiados. Esses países que recebem esses refugiados não estão muito preocupados em fornecer a eles água de boa qualidade. É grave, isso vai gerar doenças e levar pessoas a enfrentarem sérios problemas”, foi o alerta da socióloga Lúcia Rangel.

No Brasil, o Instituto Trata Brasil revela que 35 milhões de brasileiros não são atendidos com abastecimento de água tratada. Sobre o número, Lúcia Rangel comenta: “Mais de 30 milhões de pessoas no Brasil sem acesso à água é um dado preocupante demais, gravíssimo. Isso é consequência de todo um sistema político, econômico e social em que a sociedade brasileira está inserida. Isso faz parte de um sistema que começa no político e termina na saúde porque acesso à água de qualidade está diretamente relacionado à saúde”.

A partir do número de proporção internacional, às vésperas do Dia Mundial da Água, a diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Audrey Azoulay, afirmou que a determinação coletiva para avançar, bem como esforços para incluir aqueles que foram deixados para trás no processo de tomada de decisões, são fatores que podem transformar esse direito em realidade. A frase divulgada pela ONU para o Dia Mundial da Água reforça: “Água para todos”.

“Neste Dia Mundial da Água, como todos os dias, não devemos deixar ninguém para trás”, foi o twitter da ONU desta semana.

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Sobre a bandeira levantada pela organização, a socióloga dissertou: “Eu acho que é uma bandeira de vida ou morte para muita gente. No Brasil, mais de 30 milhões de pessoas, é um dado que estarrece, que choca, você saber que tem tantas pessoas no Brasil, um país rico do ponto de vista de reservas de água, um local onde teoricamente não falta água, privadas desse direito”.

Lucia apontou a necessidade de uma politica econômica que forneça a pessoas o serviço básico de saneamento. “Nos países desenvolvidos, coisa que o Brasil ainda não é, você não vai ter um dado como esse de jeito nenhum, então isso é sintoma de subdesenvolvimento, atraso, de uma sociedade que ainda não conseguiu atender as necessidades básicas de sua população”.

Gestão efetiva dos recursos

O engenheiro agrônomo, Pedro Santa Clara Kalil/ Foto: Arquivo Pessoal/ Pedro Santa Clara

O engenheiro agrônomo Pedro Santa Clara Kalil, a partir de sua experiência como secretário de meio ambiente na gestão municipal da cidade de Cachoeira Paulista, interior de SP, entre 2013 e 2016, reafirmou a necessidade de uma gestão efetiva diante da abundância dos recursos naturais brasileiros e a aplicabilidade deles nos setores nacionais.

“Nosso país possui a maior quantidade de recursos hídricos gerados pela chuva (precipitação atmosférica). Possui três grandes bacias hidrográficas e grande parte do aquífero Guarani. E apesar de possuir grande disponibilidade de água potável sua distribuição é irregular. Além de que a agricultura é a atividade que mais demanda esse recurso natural, seguido dos usos nas cidades e também industrial. É importante ressaltar que em muitas regiões do país a quantidade de água não acompanha o tamanho da população, enquanto que em outras regiões se encontra água em abundância porém falta gestão correta dos recursos hídricos, o qual deve ser feito baseado inclusive nas leis existentes atualmente que visam preservar em quantidade e qualidade esses recursos hídricos”, sublinhou o engenheiro.

Para Kalil, é preciso que os estados e municípios façam valer e aplicar as legislações vigentes sobre o tema que, na maioria das vezes, são, segundo ele, negligenciadas. O engenheiro reforçou também a necessidade da população participar de todo o processo através dos conselhos de meio ambiente, das secretarias de meio ambiente municipais e estaduais. “A atuação técnica e política junto com a população com ações conjuntas com a iniciativa privada seria a melhor receita para a resolução e melhoria desse cenário crítico”, opinou.

O geógrafo Daniel Rosa, pós-graduado em gestão e perícia ambiental e membro da Divisão de Educação Ambiental de Cachoeira Paulista, revelou a importância de uma boa gestão dos recursos naturais, com ênfase no saneamento. “Não é só como recebemos essa água em nossas casas, fábricas, etc, mas sim, como a devolvemos. Que tratamento é feito antes dessa água voltar aos rios? Um bom saneamento básico, pode diminuir vários outros problemas que trariam economia para as cidades, para o estado e para o país”, frisou.

“Se tratando dos recursos hídricos é preciso desenvolver o saneamento básico que compõe o abastecimento da água, o esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejos dos resíduos sólidos domésticos e industriais além da drenagem das águas pluviais (chuvas). Nossas políticas e leis que tratam dos recursos hídricos do nosso país chama atenção de outros países o que sinaliza que estamos no caminho certo. Porém, não devemos deixar de ressaltar que precisamos colocar em práticas essas políticas em todo território nacional”, completou Kalil.

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