Catequese

"O cristão não pode odiar sequer seus inimigos", afirmou o Papa

Bento XVI lembrou as primeiras comunidades cristãs e os seus mártires para defender que a violência não tem a última palavra.

"O martírio, o sofrimento pela verdade são no final mais vitoriosos e eficientes do que a violência dos regimes totalitários", assinalou na audiência geral desta manhã, na Praça de São Pedro. A catequese de hoje foi dedicada à figura de Tertuliano, teólogo de língua latina dos séculos II-III que acabou por se afastar da ortodoxia.

O Papa observou que, desde as suas origens, a fé cristã propõe a não-violência, fato que mantém hoje em dia toda a atualidade. Citando uma afirmação de Tertuliano, segundo a qual o cristão não pode odiar sequer os seus inimigos, assinalou Bento XVI.

Caríssimos irmãos e irmãs,

Com a catequese de hoje retomamos a seqüência das catequeses que foram interrompidas, por ocasião da viagem ao Brasil, e continuemos a falar das grandes personalidades da Igreja antiga: são mestres da fé também para nós hoje e testemunhas da perene atualidade da fé cristã.

Hoje falaremos de um africano, Tertulliano, que entre os finais do terceiro século inaugura a literatura cristã em língua latina. Com ele começa uma teologia em tal língua. A sua obra deu frutos decisivos, que têm sido imprescindíveis e muito valorizados. Sua influência se desenvolve sobre diversos planos: os da linguagem e da recuperação da cultura clássica, aqueles da individualização de uma comum “alma cristã” no mundo e da formulação de novas propostas de convivência humana. Não conhecemos com exatidão as datas de seu nascimento e de sua morte.

Sabemos, ao contrário, que a Cartagino, no final do século segundo, dos pais e dos mestres pagãos, recebeu uma sólida formação retórica, filosófica, jurídica e histórica. Converteu-se ao Cristianismo, atraído – como tal – pelo exemplo dos mártires cristãos. Iniciou a publicar seus escritos mais famosos em 197. mas uma busca demasiada individual pela verdade, junto com as intemperanças do caráter – era um homem rigoroso – o conduziram gradualmente a deixar a comunhão com a Igreja e a aderir a seita do montanismo. Todavia, a originalidade do pensamento unido à incisiva eficácia da linguagem que asseguram uma posição de destaque na literatura cristã antiga.

São famosos, sobretudo, seus escritos de caráter apologético. Estes manifestam duas intenções principais: aquela de opor-se as gravíssimas acusações que os pagãos endereçaram contra a nova religião, aquele – mais propositivo e missionário – de comunicar a mensagem do Evangelho em diálogo com a cultura do tempo.

A sua obra mais notável, o apologético, denuncia o comportamento injusto das autoridades políticas sobre a Igreja; esclarece e defende os ensinamentos e costumes dos cristãos; individualiza as diferenças entre a nova religiçao e as principais correntes filosóficas do tempo; manifesta o triunfo do Espírito, que à violência dos perseguidores, opõe o sangue, o sofrimento e a paciência dos mártires: “à medida que se aperfeiçoava – escreve o africano – de nada serve a vossa crueldade: antes, pela nossa comunidade, este é um convite.

A cada golpe de foice tornamo-nos mais numerosos: o sangue dos cristãos é uma semente eficaz (sêmen est sanguis christianorum!)” (Apologético 50,13). O martírio, o sofrimento pela verdade são até o fim vitoriosos e mais eficazes que a crueldade e a violência dos regimes totalitários.

Mas Tertuliano, como cada bom apologista, adverte ao mesmo tempo a exigência de comunicar positivamente a essência do cristianismo. Por isso ele adota o método especulativo para ilustrar os fundamentos racionais do dogma cristão. Aprofunda-os de maneira sistemática, a começar pela descrição do “Deus dos cristãos”: “Aquele que nós adoramos – afirma o apologista – é um Deus único”. E prossegue, empregando as antíteses e os paradoxos característicos de sua linguagem: “Ele é invisível, também se o vê; inatingível, ainda se estiver presente através da graça: inconcebível, ainda se os sentidos humanos o puderem conceber; porque é verdadeiro e grande!” (ibid. 17,1-2).

Tertuliano, por outro lado, dá um grande passo no desenrolar do dogma trinitário; que deu em latim a linguagem adequada para exprimir este grande mistério, introduzindo os termos “uma substância” e “três Pessoas”. De modo simples, desenvolvem muito ainda a correta linguagem para exprimir o mistério de Cristo Filho de Deus e verdadeiro Homem.

O Africano trata também do Espírito Santo, demonstrando o caráter pessoa e divino: “Cremos que, segundo a sua promessa, Jesus Cristo enviou através do Pai o Espírito santo, o Paráclito, o santificador da fé àqueles que crêem no Pai, no Filho e no Espírito Santo”. Ainda, nas obras do africano se lêem numerosos textos sobre a Igreja, que Tertulliano reconhece sempre como “mãe”.

Também após a sua adesão ao montanismo, ele não esqueceu-se que a Igreja é a Mãe de nossa fé da nossa vida cristã. Ele se refere somente sobre a conduta moral dos cristãos e sobre a vida futura. Seus escritos são importantes também para colher tendências vivas na comunidade cristã, sob a proteção de Maria Santíssima, aos sacramentos da Eucaristia, do Matrimônio e da Reconciliação, ao primado petrino, à oração… De modo especial, naqueles tempos de perseguição as quais os cristãos assemelhavam-se a uma minoria perdida, o apologista lhes exorta à esperança que – estando em seus escritos – não é simplesmente uma virtude distante para eles, mas uma modalidade que investe cada aspecto da existência cristã. Temos a esperança que o futuro é nosso porque o futuro é de Deus.

Assim a ressurreição do Senhor vem apresentada como o fundamento da nossa futura ressurreição, e representa o objeto principal da confiança dos cristãos: “A carne ressurgirá – afirma categoricamente o Africano –: toda a carne, propriamente a carne e a carne toda inteira. Onde quer que se encontre, esta é um depósito sobre Deus, em virtude do fidelíssimo mediador entre Deus e o homem Jesus Cristo, que restituirá Deus no homem e o homem a Deus” (Sobre a ressurreição dos mortos 63,1).

Do ponto de vista humano pode falar de uma vez de um drama de Tertulliano. Com o passar dos anos ele tornou-se muito exigente no confronto dos cristãos. Pretendia ele em todas as circunstâncias, e sobretudo com persuasões, um comportamento heróico. Rígido com sua posição, não poupava criticas pesadas e inevitavelmente no fim encontrou-se isolado. Do resto, também hoje restam aberto muitas questões, não só sobre pensamento teológico e filosófico de Tertulliano, mas também sobre sua postura no confronto das instituições políticas e da sociedade pagã. A mim penso muito nessa grande personalidade moral e intelectual, que este homem deu uma grande contribuição ao pensamento Cristão. Vê-se que no fim lhe falta a simplicidade, a humildade de inserir-se na igreja e aceitar suas fraquezas, de ser tolerante com os outros e com si mesmo.

Quando se vê somente o próprio pensamento em sua grandeza, até o fim é próprio esta grandeza que se perde. A característica essencial de um grande teólogo é a humildade de estar com a Igreja, de aceitar as suas próprias e as próprias debilidades, porque somente Deus é realmente totalmente santo. Nós, ao contrário, tenhamos sempre o desejo do perdão.

Definitivamente, o Africano traz um testemunho interessante dos primeiros tempos da Igreja, quando os cristãos se encontraram a ser autênticos sujeitos de “nova cultura” no confronto próximo entre a hereditariedade clássica e a mensagem evangélica. E a sua célebre afirmação, segundo a qual a nossa alma “é natureza cristã” (apologético 17,6), onde Tertulliano fala da perene continuidade entre os autênticos valores humanos e aqueles cristãos; e também aquele outro sobre sua reflexão, vinculada diretamente ao Evangelho, segundo o qual “o cristão não pode odiar nem mesmo os próprios inimigos” (cf. Apologético 37), onde o resultado moral, inevitável, da escolha de fé, propõe a “não violência” como regra de vida: e não é que não se vê a dramática atualidade deste ensinamento, ainda à luz do acesso debatido sobre religiões.

Nos escritos do Africano, em suma, seguem seu rastro numerosos tema que ainda hoje somos chamados a enfrentar. Estes se envolvem em uma fecunda busca interior, a qual exorto todos os fiéis, para que saibam exprimir de maneira sempre mais convincente a Regra da fé, aquela – retornando uma vez mais em Tertulliano – “segundo a qual nós cremos que existe um só Deus, e nenhum outro fora do Criador do mundo: ele tem traçado cada coisa do nada por meio de seu Verbo, gerado antes de todas as coisas” (A perscrição dos ereges 13,1).

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