Miséria e violência

Missionária dá testemunho sobre o Haiti: um país à beira do abismo

Homicídios, atos de guerrilha, sequestros e violência são realidades do país descritas por Irmã Marcella Catozza

Da redação, com Vatican News

Casas destruídas após terremoto de agosto deste ano /Foto: REUTERS/Ralph Tedy Erol

Existe uma imagem que tem a capacidade de resumir em um único olhar a dor e o desespero do povo haitiano: aquela que retrata dezenas de pobres assaltando um caminhão-tanque carregado com combustível. Eles seguram martelos e baldes nas mãos e no coração o sonho de poder levar alguns litros de gasolina para revendê-la no mercado negro e, quem sabe, seguir mais alguns dias sem morrer de fome. De tantas marteladas que recebeu, o tanque de metal explodiu, tirando a vida e os sonhos de pelo menos oitenta pessoas. Essa tragédia aconteceu há duas semanas em Cap-Haïtien, segunda cidade mais populosa do país caribenho e se tornou o símbolo de uma nação à beira do abismo.

“Essa notícia girou o mundo, mas ninguém voltou os holofotes para o verdadeiro drama: a multidão de famintos que, para sobreviver, tentou com marteladas, saquear um pouco de combustível, arriscando a vida”, denúncia irmã Marcella Catozza – membro da Fraternidade Missionária Franciscana. “Frequentemente em nossa casa não há água e gás durante semanas. Não podemos nem cozinhar a pouca comida que temos”, conta.

O que a missionária chama de “nossa casa”, é uma estrutura que inclui um orfanato com 150 crianças de até 14 anos e uma creche com mais de 500 alunos. O local, situado entre o mar e a cidade, também impressionaria se não fosse o fato de estar localizado no coração de Waf Jeremie, a maior e mais pobre favela da capital Porto Príncipe. “Waf Jeremie – conta irmã Marcella – tem cerca de 100 mil habitantes. É uma favela que nasceu no aterro municipal. Há vinte anos, o bispo da época pediu à nossa congregação que cuidasse das ‘pessoas do aterro’ e nós não recuamos”.

Violência em alta

Na favela, irmã Catozza tem que lidar não somente com a pobreza extrema, mas também com o exército de libertação que ali instalou seu quartel-general. “São os milicianos que, há algum tempo, aterrorizam as pessoas com disparos descontrolados nas ruas”, afirma. “Em todo país – acrescenta a religiosa – a violência nunca foi tão forte como nos últimos meses. Aumentou dramaticamente. Nunca antes eu tinha visto algo assim”.

Particularmente, são preocupantes os atos de gangues de guerrilha, os assassinatos e sequestros. Um educadora que trabalha com irmã Catozza foi vítima de um sequestro relâmpago no dia 24 de dezembro. “Não sabíamos nada sobre ela até a noite. Depois, soltaram ela, mas roubaram tudo que tinha. Eles não deixaram nada”, detalha a missionária. 

Natal de dor

As pessoas agora têm medo de andar na rua no Haiti. No Natal, as igrejas estavam quase vazias. Além disso, muitas festas religiosas e sociais foram canceladas. Na favela onde irmã Marcella mora com os órfãos, a Santa Missa da véspera de Natal não pôde ser celebrada: “Não só isso. Também tivemos que cancelar o encontro com o novo núncio apostólico, dom Francisco Escalante Molina, que, na manhã do dia 24 de dezembro, deveria visitar nossas crianças e celebrar a Eucaristia para elas”.

A presente situação levou a Conferência Episcopal do Haiti a lançar um apelo na habitual mensagem de Natal. “Que o mundo venha em auxílio de uma nação mergulhada no caos político, econômico e social, especialmente após o assassinato, em julho, do presidente Jovenel Moise”, afirma o episcopado haitiano.

Miséria gera morte

Segundo irmã Marcella, a violência que assola o Haiti tem uma gênese clara: a extrema miséria da população. “Há quarenta anos – diz ela levantando a voz – o país vive esta situação, mas ninguém faz nada. Pensemos no terremoto de 2010, que destruiu tudo: o Haiti é quase tão grande como uma região italiana, mas não houve nenhuma reconstrução. Em suma, o Haiti foi abandonado por todos”. 

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