Querida Amazônia

Vaticano apresenta exortação do Papa sobre o Sínodo para a Amazônia

Documento expressa quatro sonhos para a Amazônia – social, cultural, ecológico e eclesial; Papa reitera Igreja com rosto amazônico

Da Redação, com Vatican News

Exortação apostólica pós-sinodal em resposta ao Sínodo da Amazônia foi apresentado nesta quarta-feira, 12 / Foto: Reprodução Reuters

O Vaticano apresentou nesta quarta-feira, 12, a exortação apostólica pós-sinodal “Querida Amazônia”, do Papa Francisco, em resposta ao Sínodo para a Amazônia realizado em outubro do ano passado.

O documento traz referências a documentos das conferências episcopais dos países amazônicos, mas também a poesias de autores ligados à Amazônia. O Santo Padre expressa quatro grandes sonhos para a Amazônia: que lute pelo direito dos mais pobres, que preserve a riqueza cultural, que guarde zelosamente a sedutora beleza natural e que as comunidades cristãs sejam capazes de se devotar e encarnar na Amazônia.

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.: Íntegra da exortação

O sonho social: a Igreja ao lado dos oprimidos

O primeiro capítulo é dedicado ao “sonho social”. Nesta parte, o Papa destaca que uma
verdadeira abordagem ecológica é também abordagem social e, mesmo apreciando o “bem viver” dos indígenas, adverte para o “conservacionismo”, que se preocupa somente com o meio ambiente.

O Santo Padre recorda que Bento XVI já havia denunciado a devastação ambiental na Amazônia e destaca como os povos originários sofrem uma sujeição, seja por parte de poderes locais ou de poder externos. Para o Papa, as operações econômicas que alimentam devastação, assassinato e corrupção merecem o nome de “injustiça e crime”. E com João Paulo II, reitera que a globalização não deve se tornar um novo colonialismo.

Diante do cenário de injustiça, é preciso indignar-se e pedir perdão, salienta o Papa. Ele fala da necessidade de redes de solidariedade e desenvolvimento, pedindo o comprometimento de todos, inclusive de líderes políticos. A última parte do primeiro capítulo é dedicado às “Instituições degradadas” e ao “Diálogo social”. O Papa denuncia o mal da corrupção, que envenena o Estado e as suas instituições. E faz votos de que a Amazônia se torne “um local de diálogo social” antes de tudo “com os últimos. A voz dos pobres, exorta, deve ser “a voz mais forte” sobre a Amazônia.

O sonho cultural: cuidar do poliedro amazônico

O segundo capítulo é dedicado ao “sonho cultural”. Francisco esclarece que promover a
Amazônia não significa colonizá-la culturalmente. E recorre a uma imagem que lhe é cara: “o poliedro amazônico” (29-32).

Francisco destaca a necessidade de combater a “colonização pós-moderna”. Para ele, é urgente “cuidar das raízes”. Citando documentos anteriores (Laudato si’ e Christus vivit), destaca que a “visão consumista do ser humano” tende a “a homogeneizar as culturas” e isso afeta sobretudo os jovens. A eles, o Papa pede que assumam as raízes, que recuperem “a memória danificada”.

A Exortação se concentra depois sobre o “encontro intercultural”. Mesmo as culturas
aparentemente mais evoluídas, observa, podem aprender com os povos que desenvolveram um tesouro cultural em conexão com a natureza. A diversidade, portanto, não deve ser “uma fronteira”, mas “uma ponte”, e diz não a “um indigenismo completamente fechado”. A última parte do segundo capítulo é dedicada ao tema “culturas ameaçadas, povos em risco” (39-40). Em qualquer projeto para a Amazônia, esta é a recomendação do Papa, “é preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos”. Estes, acrescenta, dificilmente podem ficar ilesos se o ambiente em que nasceram e se desenvolveram “se deteriora”.

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O sonho ecológico: unir cuidado com o meio ambiente e cuidado com as pessoas

O terceiro capítulo é o mais relacionado com a Encíclica Laudato si’. Cuidar dos irmãos como o Senhor cuida de nós, reitera, “é a primeira ecologia que precisamos”. Cuidar do meio ambiente e cuidar dos pobres são “inseparáveis”, acrescenta. Aqui também cita Pablo Neruda e outros poetas locais sobre a força e a beleza do Rio Amazonas.

Francisco destaca a urgência de ouvir o “grito da Amazônia”. Recorda que o equilíbrio planetário depende da sua saúde. Escreve que existem fortes interesses não somente locais, mas também internacionais. A solução, portanto, não é “a internacionalização” da Amazônia; ao invés, deve crescer “a responsabilidade dos governos nacionais”.

O desenvolvimento sustentável, prossegue, requer que os habitantes sejam sempre informados sobre os projetos que dizem respeito a eles e auspicia a criação de “um sistema normativo” com “limites invioláveis”. Assim, Francisco convida à “profecia da contemplação”. Ouvindo os povos originários, destaca, podemos amar a Amazônia “e não apenas usá-la”; podemos encontrar nela “um lugar teológico, um espaço onde o próprio Deus Se manifesta e chama os seus filhos”. A última parte do terceiro capítulo é centralizada na “educação e hábitos ecológicos” (58-60). O Papa ressalta que a ecologia não é uma questão técnica, mas compreende sempre “um aspecto educativo”.

O sonho eclesial: desenvolver uma Igreja com rosto amazônico

O último capítulo, o mais denso, é dedicado mais diretamente aos pastores e aos fiéis católicos e
se concentra no “sonho eclesial”. O Papa convida a “desenvolver uma Igreja com rosto amazônico”
através de um “grande anúncio missionário”.

Para o Santo Padre, não é suficiente levar uma “mensagem social”. Esses povos têm “direito ao anúncio do Evangelho”; do contrário, “cada estrutura eclesial transformar-se-á em mais uma ONG”. Uma parte consistente é dedicada ainda à inculturação. Retomando a Gaudium et spes, fala de “inculturação (66-69) como um processo que leva “à plenitude à luz do Evangelho” aquilo que de bom existe nas culturas amazônicas. O Papa dirige o seu olhar mais profundamente, indicando os “Caminhos de inculturação na Amazônia”.

Na sequência, a Exortação indica “pontos de partida para uma santidade amazônica” (77-80), que
não devem copiar “modelos doutros lugares”. Destaca que “é possível receber, de alguma forma, um símbolo indígena sem o qualificar necessariamente como idolátrico”. Pode-se valorizar, acrescenta, um mito “denso de sentido espiritual” sem necessariamente considerá-lo “um extravio pagão”. O mesmo vale para algumas festas religiosas que, não obstante necessitem de um “processo de purificação”, “contêm um significado sagrado”.

Outra passagem significativa de Querida Amazônia é sobre a inculturação da liturgia (81-84). O Pontífice constata que já o Concílio Vaticano II havia solicitado um esforço de “inculturação da liturgia nos povos indígenas”. Além disso, recorda numa nota do texto que, no Sínodo, “surgiu a proposta de se elaborar um “rito amazônico”. Os Sacramentos, exorta, “devem ser acessíveis, sobretudo aos pobres”.

O envio de missionários

Relacionado a este tema, está a “inculturação do ministério” (85-90) sobre a qual a Igreja deve dar
uma resposta “corajosa”. Para o Papa, deve ser garantida “maior frequência da celebração da Eucaristia”. A propósito, reitera, é importante “determinar o que é mais específico do sacerdote”. A resposta, lê-se, está no sacramento da Ordem sacra, que habilita somente o sacerdote a presidir a Eucaristia. Portanto, como “assegurar este ministério sacerdotal” nas zonas mais remotas? Francisco exorta todos os bispos, especialmente os latino-americanos, “a ser mais generosos”, orientando os que “demonstram vocação missionária” a escolher a Amazônia e os convida a rever a formação dos presbíteros.

Protagonismo dos leigos nas comunidades

Depois dos Sacramentos, “Querida Amazônia” fala das “comunidades cheias de vida” (91-98), nas
quais os leigos devem assumir “responsabilidades importantes”. Para o Papa, com efeito, não se trata apenas de facilitar uma presença maior de ministros ordenados. Um objetivo “limitado” se não suscitar “uma nova vida nas comunidades”. São necessários, portanto, novos “serviços laicais”. Somente através de “um incisivo protagonismo dos leigos”, reitera, a Igreja poderá responder aos “desafios da Amazônia”.

Para o Pontífice, os consagrados têm um lugar especial e não deixa de recordar o papel das comunidades de base, que defenderam os direitos sociais, e encoraja em especial a atividade da REPAM e dos “grupos missionários itinerantes”.

Francisco dedica um espaço à força e ao dom das mulheres (99-103). Reconhece que, na Amazônia, algumas comunidades se mantiveram somente “graças à presença de mulheres fortes e generosas”. Porém, adverte que não se deve reduzir a Igreja a “estruturas funcionais”. Se assim fosse, com efeito, teriam um papel somente se fosse concedido a elas acesso à Ordem sacra. Para o Pontífice, deve ser rejeitada a clericalização das mulheres, acolhendo, ao invés, a contribuição segundo o modo feminino, que prolonga “a força e a ternura de Maria”. Francisco encoraja o surgimento de novos serviços femininos, que – com um reconhecimento público dos bispos – incidam nas decisões para as comunidades.

Os cristãos devem lutar juntos para defender os pobres da Amazônia

Para o Papa, é preciso “ampliar horizontes para além dos conflitos” (104-105) e deixar-se desafiar pela Amazônia a “superar perspectivas limitadas” que “permanecem enclausuradas em aspetos parciais”. O quarto capítulo termina com o tema da “convivência ecumênica e inter-religiosa” “encontrar espaços para dialogar e atuar juntos pelo bem comum”. “Como não lutar juntos? – questiona Francisco – Como não rezar juntos e trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazônia”?

Francisco conclui a Querida Amazônia com uma oração à Mãe da Amazônia (111). “Mãe, olhai
para os pobres da Amazônia – é um trecho da sua oração –, porque o seu lar está a ser destruído por
interesses mesquinhos (…) Tocai a sensibilidade dos poderosos porque, apesar de sentirmos que já é
tarde, Vós nos chamais a salvar o que ainda vive”.

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