Discurso

Papa aos EUA e Irã: manter diálogo e autocontrole no respeito

Durante encontro com o corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé, Papa falou sobre temas atuais; queimadas na Austrália, impasse na Venezuela e proteção do meio ambiente também foram citados 

Da redação, com Vatican News

Papa durante discurso ao corpo diplomático acreditado à Santa Sé/ Foto: Remo Casilli – Reuters

A crise entre Estados Unidos e Irã, as queimadas na Austrália, o impasse na Venezuela e a proteção do meio ambiente foram alguns dos temas atuais que estiveram presentes no discurso do Papa Francisco ao corpo diplomático. Na Sala Regia do Palácio Apostólico, no Vaticano, estavam presentes nesta quinta-feira, 9, os embaixadores dos 183 países com os quais a Santa Sé mantém relações diplomáticas, incluindo o Brasil.

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A longa e minuciosa análise do Pontífice partiu da palavra esperança. “Infelizmente, o novo ano aparece-nos constelado não tanto de sinais encorajadores, como sobretudo de uma intensificação de tensões e violências. É precisamente à luz destas circunstâncias que não podemos cessar de esperar. E esperar exige coragem”, destacou.

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América

O Papa recordou cada uma de suas viagens apostólicas realizadas em 2019 e fez uma resenha de todos os continentes, começando pela América. No Panamá, em janeiro, Francisco visitou o país por ocasião da Jornada Mundial da Juventude.

A primeira lembrança resgatado pelo Santo Padre, porém, foi a de jovens abusados por membros do clero. “Trata-se de crimes que ofendem a Deus, causam danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas e lesam a vida de comunidades inteiras”, frisou. O Pontífice reiterou o compromisso da Igreja em debelar esta chaga e os esforços que vem fazendo, como, por exemplo, o encontro realizado em fevereiro com os presidentes de todas as Conferências Episcopais. O evento marcado para o próximo mês de março, visando um novo pacto educativo global, foi citado pelo Papa,

O Sínodo para a Amazônia, realizado no Vaticano em outubro passado, também foi comentado por Francisco. “O Sínodo foi um evento essencialmente eclesial, mas não podia eximir-se de abordar outras temáticas – a começar pela ecologia integral – que dizem respeito à própria vida daquela região tão vasta e importante para todo o mundo, uma vez que a floresta amazônica é um ‘coração biológico’ para a terra cada vez mais ameaçada”, afirmou.

Ainda sobre o continente americano, o Pontífice mencionou explicitamente a Venezuela e criticou as polarizações ideológicas: “Em geral, os conflitos da região americana, embora possuindo raízes diferentes, são irmanados pelas profundas desigualdades, as injustiças e uma endêmica corrupção, bem como pelas várias formas de pobreza que ofendem a dignidade das pessoas. Por isso, os líderes políticos esforcem-se por restabelecer, urgentemente, uma cultura do diálogo em prol do bem comum e por fortalecer as instituições democráticas e promover o respeito pelo estado de direito, a fim de prevenir deslizes antidemocráticos, populistas e extremistas”.

Oriente Médio

Ao falar de sua viagem ao Marrocos e aos Emirados Árabes Unidos, ocasião em que assinou o Documento sobre a Fraternidade Humana com o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmad al-Tayyeb, o Santo Padre enquadrou uma das situações mais explosivas do planeta: o Oriente Médio e a península arábica.

Síria, Iêmen, Líbia, Israel e Palestina foram citados, mas a atenção de Francisco se concentrou sobre o que aconteceu recentemente no Iraque.“Particularmente preocupantes são os sinais que chegam de toda a região, após a recrudescência da tensão entre o Irã e os Estados Unidos que se arrisca, antes de tudo, a colocar a dura prova o lento processo de reconstrução do Iraque, bem como a criar as bases de um conflito de mais vasta escala que todos quereríamos poder esconjurar”.

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O Papa completou: “Renovo o meu apelo a todas as partes interessadas para que evitem um agravamento do conflito e mantenham ‘acesa a chama do diálogo e do autocontrole’, no pleno respeito da legalidade internacional”.

Europa

Sobre a Europa, o Pontífice relembrou suas viagens à Bulgária, Macedônia do Norte e Romênia. Francisco não esqueceu dos migrantes e refugiados, constatando que o Mediterrâneo permanece um grande cemitério. Falou das tensões no Cáucaso, nos Bálcãs e na Ucrânia e citou uma série de datas comemorativas: os 45 anos da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), os 70 anos do Conselho Europeu e os 30 anos da queda do Muro de Berlim.

“O Muro de Berlim permanece emblemático de uma cultura da divisão que afasta as pessoas umas das outras e abre caminho ao extremismo e à violência. Vê-lo-emos sempre mais na linguagem de ódio amplamente usada na internet e nos meios de comunicação social. Às barreiras do ódio, preferimos as pontes da reconciliação e da solidariedade”.

Outro fato que mereceu uma menção por parte do Santo Padre foi o incêndio que destruiu a Catedral de Notre Dame, em Paris. De acordo com Francisco, a situação mostrou como é frágil e fácil destruir até o que parece sólido e trouxe à tona o tema dos valores históricos e culturais da Europa. “Em um contexto onde faltam valores de referência, torna-se mais fácil encontrar elementos de divisão que de coesão”.

África

A África ganhou destaque, quando o Papa fez memória de suas viagens a Moçambique, Madagascar e Maurício, ressaltando os sinais de paz e de reconciliação. Todavia, Francisco manifestou o seu pesar pela violência e atos de terrorismo em Burkina Faso, Camarões, Mali, Níger, Nigéria, República Centro-Africana e Sudão. O Pontífice falou sobre os cristãos que pagam com a vida a sua fidelidade ao Evangelho. E mais uma vez manifestou publicamente seu desejo de visitar o Sudão do Sul este ano.

Ásia

Por fim, a viagem à Tailândia e Japão foi citada. A atenção se concentrou sobre o testemunho dos hibakusha, isto é, os sobreviventes aos bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki. O Santo Padre voltou a repetir que o uso das armas atômicas é imoral e que é possível e necessário livrar-se desses armamentos.

Austrália

A última nação citada pelo Pontífice foi a Austrália, que vem sofrendo com os incêndios nos últimos meses. “Ao povo australiano, especialmente às vítimas e a quantos vivem nas regiões atingidas pelos fogos, desejo certificá-los da minha proximidade e oração”.

Além de se debruçar sobre situações inerentes aos países, o Papa recordou ainda os 75 anos da Organização das Nações Unidas, cujo serviço até aqui foi um “sucesso”, especialmente para evitar outra guerra mundial, mas que hoje necessita de uma reforma geral para torná-la ainda mais eficaz.

Mulheres

Outra data que inspirou Francisco foram os 500 anos da morte do artista italiano Rafael Sanzio, que tinha como um de seus temas preferidos retratar Nossa Senhora. E lembrou que a Igreja celebra em 2020 os 70 anos da proclamação dogmática da Assunção da Virgem Maria ao Céu.

“Com o olhar posto em Maria, desejo dirigir uma saudação particular a todas as mulheres, 25 anos depois da IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Pequim no ano de 1995, com votos de que em todo o mundo se reconheça cada vez mais o precioso papel das mulheres na sociedade e cessem todas as formas de injustiça, desigualdade e violência contra elas”.

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O Santo Padre frisou que “toda a violência infligida à mulher é profanação de Deus”, “um crime que destrói a harmonia, a poesia e a beleza que Deus quis dar ao mundo”.

Diplomacia

A justiça e a paz, finalizou o Pontífice, serão totalmente restabelecidas no final do caminhar terreno. Até lá, a diplomacia é a tentativa humana – “imperfeita, mas sempre preciosa” – para se alcançar esses frutos. “Com este compromisso, renovo a todos vocês, queridos embaixadores e ilustres convidados aqui reunidos, e aos seus países, os meus votos cordiais de um novo ano cheio de esperança e repleto de bênçãos”, finalizou.

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