Coluna da semana

Padre comenta o lugar do canto na liturgia

“Cantar a liturgia” não significa simplesmente cantar um certo número de cantos religiosos ou sacros na celebração litúrgica, explica padre Anderson

Padre Anderson Marçal
Doutor em Teologia Pastoral Bíblico-Litúrgica

Cantar a Liturgia

padre andersonPara responder a esta pergunta, comecemos com o recordar que a liturgia é uma ação ritual que nos permite celebrar na fé à Aliança que Deus estabeleceu com seu povo. Esta ação litúrgica, expressão sensível do mistério de Deus e do Seu amor por todos os homens, toma forma através de gestos ligados à nossa vida de homens e mulheres de hoje. Alguns gestos “profanos”, entre os quais o ato de cantar, são então colocados à parte. Estes se tornam sagrados, porque, no quadro ritual da liturgia, exprimem mais que si mesmo: permitem dizer a profundidade das implicações da celebração litúrgica. Estes gestos se tornam a expressão sensível da fé crista. Por meio destes, temos acesso a Deus.

Nem todos os cantos respondem às exigências da liturgia. “Cantar a liturgia” não significa simplesmente cantar um certo número de cantos religiosos ou sacros no andar da celebração litúrgica.

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Estes dois termos, religioso e sacro, não são entre outras coisas, bons critérios para falar do canto litúrgico. Cada canto que exprime de qualquer modo elementos próprios da religião se torna necessariamente um canto religioso. Ora, se todo canto litúrgico pertence ao universo bem grande e vasto do canto religioso, que compreende por exemplo a canção religiosa e o canto catequético, nem todos os cantos religiosos encontram lugar na liturgia.

Não é nem mesmo a pertença à categoria do sacro que pode garantir a um canto encontrar lugar em uma celebração litúrgica. A categoria do canto sacro é complexa. Antes de tudo, não dispomos de algum critério musical para estabelecer que uma música é sacra e uma outra não é. Este termo apareceu no início do século XVII em ambiente luterano da Alemanha do Norte para distinguir o repertório da música da Igreja daquele da música profana. Não se baseava de fato, a esta época sobre características de ordem musical.

A noção de música sacra à qual fazemos referência nestes anos ressalta muito mais à segunda metade do século XIX e início do século XX. É o momento no qual nasce o desejo de reformar a música da Igreja e de dar a ela um caráter que a distingue da música profana, da música do mundo. Sobre a influência das pesquisas históricas, que se voltam principalmente às músicas do passado. A consequência concreta se pode ver no Motu Próprio Inter sollicitudines promulgado por Pio X em 1903 que apresenta o canto gregoriano e a polifonia de Palestrina (sec. XVI) como modelos da música sacra. A questão do “sacro”, portanto, é ligada mais a um estilo de escritura musical que a um relacionamento entre um canto e uma ação litúrgica. Vale a pena recordar também que o modo de celebrar a liturgia antes do Vaticano II era bem diverso daquele que nós conhecemos hoje. A missa era antes de tudo uma ação do celebrante: o povo se contentava apenas no “assistir”. Às vezes, assistia tanto à missa, quanto a um concerto, devido ao coro ou ao organista. O objetivo da música era de conduzir a uma espiritualidade muito mais que uma participação ativa dos membros da assembleia.

Acrescentamos também que a música sacra supera largamente o quadro da música cristã. Se o Vaticano II fala ainda de música sacra, a definição que dá na Constituição sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium, é portanto muito diferente daquela conhecida até agora: “A música sacra será tanto mais santa quanto mais estreitamente unida à ação litúrgica” (SC 112).

Reaparece aqui a concepção que Santo Agostinho tinha do “canto eclesiástico”: um canto do qual a qualidade principal é a sua atitude para cumprir a função litúrgica que nós esperamos deste. Por isto, hoje se prefere falar de canto “ritual”, ou seja, em relação estreita com a ação ritual presente na liturgia.

O conceito de canto ritual nos permite superar aquele de canto sacro que não tem mais sentido hoje no quadro da liturgia pós-conciliar. Este nos permite também relativizar a dimensão estética do canto porque o critério de obra de arte, e obra prima, não é mais o primeiro critério do canto litúrgico. Este deve, portanto, garantir sempre uma boa qualidade e oferecer à assembleia uma obra justa – adequada – e bela.

Ocupar-se e escolher os cantos para a liturgia significa, antes de tudo, conhecer a liturgia. Ela é uma ação complexa, composta por uma grande variedade de tipos de palavras e gestos: proclamações, diálogos, aclamações, salmodias, antífonas, ladainhas, hinos, que intervém em procissões, leituras, orações, de súplica ou de louvor, no ofertório, a comunhão, etc.

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