SAÚDE

Hanseníase tem cura, pode ser tratada, explicam especialistas

Conhecida por ser uma das doenças mais antigas do mundo, a Hanseníase ainda faz vítimas pelo Brasil; a moléstia, porém, pode ser vencida, especialmente quando descoberta precocemente

Thiago Coutinho
Da redação

Somente em 2019, 27.864 novos casos de Hanseníase foram registrados no Brasil / Foto: Freepik.com

“Não podemos esquecer estes nossos irmãos e irmãs. Não devemos ignorar esta doença, que infelizmente ainda afeta tantos, especialmente em contextos sociais mais pobres”. Estas foram as palavras do Papa Francisco ao recordar o 70º Dia Mundial dos Doentes de Lepra — nome comum dado antigamente à Hanseníase, uma das doenças mais antigas da história humana. O Dia Mundial da Hanseníase é celebrado anualmente no último domingo do mês de janeiro. 

A hanseníase é causada por uma bactéria chamada Mycobacterium leprae. Trata-se de uma doença infecciosa, cuja evolução é crônica. Ataca, sobretudo, pele, olhos, nariz e nervos periféricos, causando deformidades irreversíveis.

Nas Américas, infelizmente, o Brasil ainda mantém os maiores registros de incidência da Hanseníase. Dados do Boletim Epidemiológico sobre a Hanseníase do Ministério da Saúde apontam que, em 2019, antes da pandemia, foram registrados 27.864 novos casos de Hanseníase, equivalente a 93% de todos os casos da região das Américas e 13,7% dos casos globais registrados no ano.

A doença tem cura, mas com algumas ressalvas. “Gosto de dividir a hanseníase em duas: a Bacilar, que tem cura praticamente de 100% quando corretamente tratada, e a Imunológica, em que os bacilos foram eliminados, mas as reações imunológicas persistem e são mais difíceis de serem tratadas”, explica Jorge Jambeiro, ortopedista, membro da Associação Bahiana de Medicina e responsável por uma tese de doutorado em Hanseníase.

“Egon Daxbacher, coordenador do Departamento de Hanseníase da Sociedade Brasileira de Dermatologia, alerta para outro fator: a doença tem altos índices de cura. Ele lembra ainda que, detectada precocemente, evita problemas mais graves, como atingir os nervos. “E é importante tratá-la numa mesma velocidade. Isso é difícil, pois se trata de uma doença lenta, especialmente em seus primeiros sinais e sintomas. Quando você descobre muitos casos, há outros ocultos que não foram descobertos. Então, a cadeia de transmissão continua acontecendo”, lamenta.

Defesa natural

A maior parte das pessoas já nasce com uma defesa natural contra a Hanseníase. Outras poucas, porém, não possuem este bloqueio e acabam adoecendo. “Algumas pessoas têm o sistema inato, aquele que nasce conosco, com algum ‘defeito’ e não reconhecem a bactéria”, esclarece Daxbacher. “Não é que as pessoas que têm defesa não podem adoecer. Mas para isso acontecer, precisam de um contato muito prolongado [com alguém infectado] e quando adoecem, é de forma mais leve”.

Ainda segundo Daxbacher, o problema é que a doença se desenvolve de maneira muito lenta. Como muitas pessoas têm contato com outras infectadas, o número de casos aumenta. “Mesmo a maioria tendo uma proteção, às vezes não conseguimos detectar os casos já existentes e aí a cadeia de transmissão segue”.

Tratamento

O tratamento contra a Hanseníase é fornecido em caráter gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo Jambeiro, os serviços municipais tratam a forma inicial e sem complicações. Já os serviços estaduais tratam os casos complexos com suas reações e sequelas. “Por seis meses, são tratados os casos paucibacilares. Os casos multibacilares são tratados por um ano por meio de uma poliquimioterapia”, explica.

É necessário ainda, de acordo com Jambeiro, uma avaliação inicial dos nervos — que são atacados com mais frequência. “Se estiverem afetados, deverão ser imediata e concomitantemente tratados”.

Este tratamento também permite que o paciente não fique mais isolado enquanto se cura. “Em mais ou menos 15 dias, o paciente já não transmite mais a doença”, diz Daxbacher. “As pessoas que já tiveram contato antes seguem correndo risco. Mas o risco diminui à medida que se descobriu a pessoa doente e começou a tratá-la”, acrescenta.

A cura só se dá a partir da eliminação da bactéria do organismo. “Obviamente, do ponto de vista das sequelas, o paciente pode se curar da infecção, mas continuará tendo alguma sequela por algo que, por conta da demora, não foi resolvido com medicamento”, alerta.

Estigma

Uma doença transmissível, infecciosa, evolução crônica e sem tratamento. Essas características, séculos atrás, condenaram os portadores da Hanseníase à segregação e ao ostracismo. “As pessoas tinham receio de contrair a doença. Pensavam que era fácil se infectar apenas pelo simples toque, só de ficar perto da pessoa. E não é bem assim que a infecção se dá. A desinformação facilitou muito isso, sem falar a falta de tratamento à época”, contextualiza Daxbacher.

“Isso [o preconceito] decorre do pouco conhecimento que as pessoas têm sobre a Hanseníase”, emenda Jambeiro. O médico afirma que os cursos de medicina também investem pouco na formação de profissionais que entendam da moléstia. 

A fim de conter este preconceito e esclarecer como a doença pode ser combatida, o Vaticano sediou um simpósio que discutiu os efeitos da Hanseníase. “A atitude do Vaticano em organizar esse evento será altamente benéfica, desde que toda a mídia divulgue e o resultado seja replicado nas igrejas e faculdades médicas em geral”, alerta Jambeiro.

Saneamento básico

Um dos muitos mitos que cercam a Hanseníase é a de que ela se desenvolve apenas em locais com pouco ou sem saneamento básico. “Isso é uma meia verdade”, afirma Jambeiro.

“Pessoas aglomeradas sem os cuidados normais de higiene são mais passíveis de se contaminarem”, continua o médico. “Incapacidade genética para resistir aos bacilos e contato íntimo e prolongado são os fatores principais [de contágio]. Se tratarmos todos os pacientes realizando diagnóstico precoce, fazendo busca ativa de circunstantes e tratando-os precocemente, daremos um grande passo para a eliminação da doença”, finaliza.

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