Artigo - Doutrina Social

Ética e economia: Inconciliáveis?

“Nunca o mundo produziu tanta riqueza, mas também nunca gerou tanta miséria”

Padre Antônio Aparecido Alves*

O crescimento da exclusão social é um fato. Nunca o mundo produziu tanta riqueza, mas também nunca gerou tanta miséria. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), a cada 3,6 segundos uma pessoa morre de fome no mundo, o que desafia a repensar a lógica que está por trás da geração de riquezas.

O Papa Francisco é incisivo ao dizer “não” a uma economia de exclusão, à idolatria do dinheiro que governa ao invés de servir e a uma desigualdade social que gera violência. Por isso, para ele esse sistema é injusto em sua raiz porque promove o consumismo, a cultura do descartável e gera a desigualdade social. “Esta economia mata. Não é possível que a morte de frio dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão”. (Evangelii Gaudium 53; 59). É possível uma conciliação entre Economia e Ética? Outra lógica econômica é possível?

A palavra ECONOMIA vem do grego oikonomikê, que significa direção, governo e administração (da casa), ordenação, planejamento. Tem um sentido doméstico, de não deixar faltar à casa o suficiente para a vida dos convivas. Deste sentido doméstico, ela vem transposta depois para a administração do Estado. Assim, a finalidade da Economia não é o lucro ou aumento das riquezas, mas propiciar bens humanos, isto é, que não falte o necessário à vida, o que é algo natural ao ser humano.

Por outro lado, existe outra forma de adquirir que não é natural, mas que visa simplesmente o aumento da riqueza, sem impor limites a ela, chamada de CREMASTICA (Aristóteles. Política, cap. II e III). Portanto, em sua origem no pensamento grego, a economia tem uma finalidade eminentemente ética, natural ao homem. Juntar e acumular riquezas não é natural. O que houve, então, para que economia e ética se separassem?

A mentalidade moderna

A modernidade trouxe uma autonomia para todas as ciências, desvinculando-as da Filosofia e da Teologia, predominantes no período anterior. No caso da economia, ela não somente se desvincula destas, como também escapa da moral, convertendo aquilo que eram vícios (egoísmo, interesse próprio etc) em motores do crescimento.

Adam Smith é considerado o pai da ciência econômica. Em 1776 ele publicou A riqueza das Nações, onde introduz a metáfora da mão invisível, que promove um fim que não estava na intenção do sujeito que agia buscando somente os seus interesses. O progresso e o bem comum, segundo ele, não se fundamentam na virtude e no altruísmo, como afirmava o pensamento clássico, mas na busca do lucro. Ele está seguro de que se deixarmos cada um seguir seus próprios interesses, promove-se eficazmente o progresso econômico e o bem-estar de todos. Por isso ele sugere: não nos esforcemos muito para fazer o bem, deixemos que ele surja como consequência do próprio egoísmo.

A posição do magistério social

O Papa Pio XI na Encíclica Quadragesimo Anno em 1931 foi o primeiro a levantar a voz contra uma pretensa autonomia absoluta da economia, que ele caracterizou de “imperialismo internacional do dinheiro” (109) afirmando que ela deve estar submetida à ética e ter como princípio regulador a justiça e o amor sociais (42-43; 88).

Esta posição se tornou emblemática e foi reafirmada em todas as encíclicas sociais e declarações posteriores. Segundo o magistério, a economia goza de autonomia, mas esta não é absoluta. Ela deve dialogar com a antropologia, com a sociologia, com a ética e outras ciências humanas, pois no fim do seu processo está o ser humano concreto.

Além disso, suas decisões têm repercussões na vida das pessoas e, por isso, não podem ser tomadas somente de um ponto de vista técnico. A Doutrina Social da Igreja comparece no cenário das discussões sobre a Economia com sua verdade sobre o homem e contribui para a busca de um tipo de lógica econômica que respeite as necessidades humanas e se mova dentro de parâmetros éticos. O ser humano, sobretudo o mais pobre, é o ponto de encontro entre Ética e Economia.

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*Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br

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