Querida Amazônia

Coletiva na CNBB comenta a exortação do Papa sobre a Amazônia

Esperavam que a exortação fosse ser uma forma de decreto, mas não é, explicou o presidente da CNBB; Dom Cláudio Hummes ressaltou pontos do documento 

Julia Beck
Da redação

Coletiva de imprensa da CNBB realizada nesta quarta-feira, 12/ Foto: Monica Macedo

O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor de Oliveira, e o presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), Cardeal Cláudio Hummes, concederam entrevista à imprensa nesta quarta-feira, 12, sobre o novo documento do Papa, apresentado hoje: a exortação “Querida Amazônia”, em resposta ao Sínodo para a Amazônia realizado em outubro passado no Vaticano. 

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.: Íntegra da exortação

Dom Walmor destacou que o texto indica um caminho inovador e missionário. Ele agradeceu a presença de Dom Cláudio, que foi relator do Sínodo. “Foi um momento muito esperado dentro de um processo que não terminou. O Sínodo não é o final do processo, mas um ponto forte, que ilumina”, observou o cardeal.

“A Igreja está diante de uma problemática ecológica”, constatou Dom Cláudio. O presidente da Repam recordou que outros papas já se posicionaram acerca deste tema, mas que o período é de crises globais que exigem uma maior contribuição da Igreja. O meio ambiente e a pobreza foram apontados pelo cardeal como grandes problemas vividos atualmente pela humanidade. “Precisamos caminhar juntos e escutar o grito dos mais pobres”, comentou. 

Dom Cláudio apontou  que, nas primeiras linhas do documento, o Pontífice destaca que escutou e participou do Sínodo, mas que não pretendia desenvolver ali todas as questões amplamente tratadas no documento final, e nem pretendia substituí-lo e nem repeti-lo. “Ele não cita nenhum item do documento”, sublinha o cardeal. Depois do que qualificou como “caminhada de discussão e polêmica”, o presidente da Repam confirma que Francisco não citou os ministérios.

O desejo do Santo Padre é, segundo o cardeal, oferecer um breve quadro de reflexão, uma síntese de grandes questões, que possam ajudar e orientar a Igreja para uma recepção criativa e frutuosa do caminho sinodal. A exortação tem como enfoque um chamado à conversão em várias dimensões: social, cultural, ecológica e sinodal/pastoral. “A partir daquilo que conseguimos por meio do sínodo, ele [Papa] sonha e pede a abertura de novos horizontes, mostrando seu coração, ternura e amor para com a realidade amazônica”.

“Deus queira que toda Igreja se deixe enriquecer e perceba a riqueza deste trabalho sinodal. O Papa diz que devemos nos empenhar na aplicação. Ele diz que temos que sair do ‘temos que fazer, vamos fazer’ pelo ‘estamos fazendo, fazemos’. Ele pede a continuação do processo, que não se interrompe, mas continua. Que isso possa inspirar não só os católicos, mas as pessoas de boa vontade. Esse é o desejo do Papa”, refletiu.

Quatro conversões

Sobre o primeiro apelo do Pontífice, a uma conversão social, Dom Cláudio afirma que o foco são os pobres, abandonados, marginalizados, sem futuro. Depois, Francisco aborda a conversão cultural dos povos e da biodiversidade. O cardeal destaca que são muitas as culturas que precisam ser protegidas e cuidadas. 

A ecologia, alvo do terceiro pedido de conversão do Santo Padre, diz respeito ao ambiente, ao território, assunto abordado fortemente por Francisco na encíclica “Laudato Si’”. A exortação, frisa Dom Cláudio, retoma os assuntos desta carta. A questão eclesial, pastoral e sinodal, quarta e última conversão pedida pelo Pontífice, tem como centro a Igreja na Amazônia. “A eucaristia edifica a Igreja e a falta dela não pode não preocupar a Igreja. Os povos precisam dela. A Igreja tem obrigação de encontrar caminhos novos”, frisa o cardeal. 

Dom Cláudio Hummes e Dom Walmor de Oliveira/ Foto: Monica Macedo

Indignar-se, depois sonhar

Na exortação apostólica, o presidente da Repam afirma que o Papa pede aos católicos que se indignem com as degradações enfrentadas pela Amazônia. “Estamos dispostos a dialogar com quem está depredando, porém nem sempre o diálogo é possível porque os dois lados precisam querer dialogar. Precisamos nos indignar e denunciar”. O Santo Padre propõe também novos modelos de desenvolvimento econômico que tragam uma nova forma de utilizar a floresta. “É preciso preservá-la para que ela continue oferecendo riquezas”.

Sobre a questão da inculturação, o cardeal lembrou que São João Paulo II falava muito sobre isso: “Um evangelho que precisa ser enculturado. Isso significa reconhecer o direito que os povos têm de exprimir sua fé cristã em sua própria cultura. Para ser cristão, uma pessoa não precisa deixar de ser chinês, europeu. Não é só em uma cultura que se esgota o trabalho da Igreja. Estamos destruindo e implantando a nossa cultura. É um alerta do Papa”.

Não deixar de sonhar. Este é outro pedido do Pontífice, destacado pelo cardeal. “Ele sonha, e o sínodo o inspira”, complementou. Dom Cláudio frisou que Francisco incentiva os fiéis a verem além do que é discutido, aprovado e votado. Convida que todos sonhem com ele e não desistam do sonho, procurando realizá-lo. “O povo de Deus também tem o sentido da fé, não só os pastores. A Igreja tem que assumir que o povo também tem uma luz a oferecer e somar essas luzes para iluminar o caminho”.

“Precisamos envolver o povo na busca por discernimento”. A Igreja e suas instituições – conferências, arquidioceses, dioceses e congregações – precisam ser mais sinodais, sublinhou o presidente da Repam.

O pedido de perdão do Papa

“Por fim o Papa pediu perdão”. Dom Cláudio comentou que no final do documento, o Santo Padre expressou que nos dias atuais a Igreja não pode estar menos comprometida. Francisco declarou que não podia negar que o joio se misturou com o trigo no período da colonização e que os missionários nem sempre estiveram ao lado dos oprimidos. “Eu imploro e peço mais uma vez perdão não só pelas ofensas da Igreja, como os crimes contra os povos da América e os que se seguiram ao longo da história do povo da amazônia”, escreveu o Papa.

Esclarecimentos

Dom Walmor esclareceu que o documento final do sínodo é importante, pois diz do contexto sinodal e faz parte deste processo. “Ele [documento] é a memória de todas as escutas prévias e do que foi discutido no sínodo”. O texto é também qualificado pelo bispo como uma referência importante e fundamental. “Não se pode descartá-lo!”.

Dom Walmor esclareceu também que muitos esperavam que a exortação fosse ser uma forma de decreto. “Não é”. O bispo destacou a polêmica envolvendo o celibato e o pedido de alguns bispos, durante o sínodo, para que homens casados fossem ordenados sacerdotes em locais de difícil acesso. “Pensar a ministerialidade da Igreja não deve ser algo da noite para o dia”, ponderou.

A soberania nacional dos países do território amazônico e o pedido do Papa Francisco para que o local não fosse internacionalizado foi levantado por jornalistas. O bispo esclareceu que o posicionamento do Santo Padre e da Igreja não visa agradar o governo de nenhum país, já que a Igreja entende a Amazônia e compreende, a partir de sua experiência e trabalho local, que os países têm sua soberania. “Não é a soberania de um governo, mas de um povo”, comentou.

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