Quaresma

Leia a primeira pregação desta quaresma feita por frei Cantalamessa

O Papa Francisco participou da primeira pregação desta quaresma feita pelo frei Raniero Cantalamessa no Vaticano; o capuchinho refletiu sobre o Espírito Santo

Da Redação, com Rádio Vaticano

O Papa Francisco e a Cúria Romana ouviram, nesta sexta-feira, 19, na Capela Redemptoris Mater, no Vaticano, a primeira pregação da Quaresma feita pelo frei capuchinho Raniero Cantalamessa.

Na pregação intitulada “A adoração em Espírito e verdade. Reflexão sobre a Constituição Sacrosanctum Concilium” o religioso frisou que após o Concílio Vaticano II houve um despertar do Espírito Santo. “Ele não é mais ‘o desconhecido’ na Trindade. A Igreja tornou-se mais consciente de sua presença e de sua ação”, disse.

Segundo o religioso, se há uma área em que a teologia e a vida da Igreja Católica foi enriquecida nestes 50 anos de pós-concílio, é certamente a relacionada ao Espírito Santo, mas ressalta que existem vazios e lacunas a serem preenchidos, em especial, sobre o papel do Espírito Santo. “Já tomava nota desta necessidade São João Paulo II, quando, por ocasião do XVI centenário do concílio ecumênico de Constantinopla, em 1981, escrevia em sua Carta Apostólica, a seguinte afirmação”:

“Todo o trabalho de renovação da Igreja, que o Concílio Vaticano II tão providencialmente propôs e iniciou […] não pode ser realizado a não ser no Espírito Santo, isto é, com a ajuda da sua luz e do seu poder”.

Cantalamessa deu algumas orientações práticas para viver a liturgia. “O Espírito Santo não autoriza a inventar novas e arbitrárias formas de liturgia ou modificar de própria iniciativa aquelas existentes (tarefa que cabe a hierarquia). Ele é o único, no entanto, que renova e dá vida a todas as expressões da liturgia”, disse ele.

Cantalemessa destacou que o Espírito Santo vivifica especialmente a oração de adoração que é o coração de toda oração litúrgica.

Íntegra

Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap

Primeira Pregação da Quaresma

A ADORAÇÃO EM ESPÍRITO E VERDADE

Reflexão sobre a Constituição Sacrosanctum Concilium

1. O Concílio Vaticano II: um afluente, não o rio

Nessas meditações quaresmais eu gostaria de continuar a reflexão sobre outros grandes documentos do Vaticano II, depois de meditar no Advento, na Lumen Gentium. Mas creio que é útil fazer uma premissa. O Vaticano II é um afluente, não é o rio. Em seu famoso trabalho sobre “O Desenvolvimento da Doutrina Cristã”, o beato Cardeal Newman declarou enfaticamente que parar a tradição em um ponto do seu curso, mesmo sendo um concílio ecumênico, seria torna-la uma morta tradição e não uma “tradição viva”. A tradição é como uma música. O que seria de uma melodia que parasse numa nota, repetindo-a ad infinitum? Isso acontece com um disco que arranha e sabemos o efeito que produz.

São João XXIII queria que o Concílio fosse para a Igreja “como um novo Pentecostes”. Em um ponto, pelo menos, essa oração foi ouvida. Após o Concílio houve um despertar do Espírito Santo. Ele não é mais “o desconhecido” na Trindade. A Igreja tornou-se mais consciente de sua presença e de sua ação. Na homilia da Missa crismal da Quinta-feira Santa de 2012, o Papa Bento XVI afirmava:

“Quem olha para a história da época pós-conciliar é capaz de reconhecer a dinâmica da verdadeira renovação, que frequentemente assumiu formas inesperadas em movimentos cheios de vida e que torna quase palpável a vivacidade inesgotável da Santa Igreja, a presença e a ação eficaz do Espírito Santo”.

Isso não significa que nós podemos desprezar os textos do Concílio ou ir além deles; significa reler o Concílio à luz dos seus próprios frutos. Que os concílios ecumênicos possam ter efeitos não compreendidos no momento, por aqueles que fizeram parte deles, é uma verdade evidenciada pelo próprio cardeal Newman sobre o Vaticano I[1], porém testemunhada mais vezes na história. O concílio ecumênico de Éfeso do 431, com a definição de Maria como Theotokos, Mãe de Deus, procurava afirmar a unidade da pessoa de Cristo, não aumentar o culto à Virgem, mas, de fato, o seu fruto mais evidente foi precisamente este último.

Se há uma área em que a teologia e a vida da Igreja Católica foi enriquecida nestes 50 anos de pós-concílio, é certamente a relacionada ao Espírito Santo. Em todas as principais denominações cristãs, estabeleceu-se nesses últimos tempos, aquilo que, com uma expressão cunhada por Karl Barth, foi chamada de “a Teologia do Terceiro artigo”. A teologia do terceiro artigo é aquela que não termina com o artigo sobre o Espírito Santo, mas começa com ele; que leva em conta a ordem com que se formou a fé cristã e o seu credo, e não só o seu produto final. Foi, de fato, à luz do Espírito Santo que os apóstolos descobriram quem era realmente Jesus e a sua revelação sobre o Pai. O credo atual da Igreja é perfeito e ninguém sequer sonha em muda-lo, porém, ele reflete o produto final, o último estágio alcançado pela fé, não o caminho através do qual se chega a isso, enquanto que, em vista de uma renovada evangelização, é vital para nós conhecer também o caminho por meio do qual se chega à fé, não só a sua codificação definitiva que proclamamos no credo de memória.

A esta luz aparece claramente as implicações de determinadas afirmações do concílio, mas aparecem também os vazios e lacunas a serem preenchidos, em especial, precisamente sobre o papel do Espírito Santo. Já tomava nota desta necessidade São João Paulo II, quando, por ocasião do XVI centenário do concílio ecumênico de Constantinopla, em 1981, escrevia em sua Carta Apostólica, a seguinte afirmação:

“Todo o trabalho de renovação da Igreja, que o Concílio Vaticano II tão providencialmente propôs e iniciou […] não pode ser realizado a não ser no Espírito Santo, isto é, com a ajuda da sua luz e do seu poder[2]”.

2. O lugar do Espírito Santo na liturgia

Esta premissa geral é particularmente útil ao lidar com o tema da liturgia, a Sacrosanctum concilium. O texto nasce da necessidade, sentida por um longo tempo e por muitos, de uma renovação das formas e ritos da liturgia católica. A partir deste ponto de vista, os seus frutos foram muitos e, no conjunto, benéficos para a Igreja. Menos advertida era, naquele momento, a necessidade de debruçar-se sobre aquilo que, seguindo Romano Guardini, geralmente chama-se “o espírito da liturgia[3]”, e que – no sentido que vou explicar – eu chamaria mais de “a liturgia do Espírito” (Espírito com letra maiúscula!).

Fies à intenção declarada destas nossas meditações de valorizar alguns aspectos mais espirituais e interiores dos textos conciliares, é precisamente neste ponto que eu gostaria de refletir. A SC dedica a isso só um curto texto inicial, fruto do debate que precedeu a redação final da constituição[4]:

“Em tão grande obra, que permite que Deus seja perfeitamente glorificado e que os homens se santifiquem, Cristo associa sempre a si a Igreja, sua esposa muito amada, a qual invoca o seu Senhor e por meio dele rende culto ao Eterno Pai. Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo – cabeça e membros – presta a Deus o culto público integral. Portanto, qualquer celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja, ação sagrada par excelência, cuja eficácia, com o mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja[5]”.

É nos indivíduos, ou nos “atores” da liturgia que hoje somos capazes de perceber uma lacuna nesta descrição. Os protagonistas aqui realçados são dois: Cristo e a Igreja. Falta qualquer alusão ao lugar do Espírito Santo. Também no resto da Constituição, o Espírito Santo nunca é sujeito de um discurso direto, só nomeado aqui e ali, e sempre “oblíquo”.

O Apocalipse nos diz a ordem e o número completo dos atores litúrgicos quando resume o culto cristão na frase: “O Espírito e a Esposa dizem (a Cristo, o Senhor), Vem!” (Ap 22, 17). Mas Jesus já havia manifestado perfeitamente a natureza e a novidade do culto da Nova Aliança no diálogo com a Samaritana: “Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, e são esses adoradores que o Pai deseja”. (Jo 4, 23).

A expressão “Espírito e Verdade”, à luz do vocabulário joanino, só pode significar duas coisas: ou “o Espírito de verdade”, ou seja, o Espírito Santo (Jo 14, 17; 16,13) ou o Espírito de Cristo, que é a verdade (Jo 14, 6). Uma coisa é certa: não tem nada a ver com a explicação subjetiva, cara a idealistas e românticos, de que “espírito e verdade”, indicariam a interioridade escondida do homem, em oposição a qualquer culto externo e visível. Não se trata só apenas da passagem do exterior para o interior, mas da passagem do humano para o divino.

Se a liturgia cristã é “o exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo”, a melhor maneira de descobrir a sua natureza, é ver como Jesus exerceu a sua função sacerdotal em sua vida e em sua morte. A tarefa do sacerdote é oferecer “orações e sacrifícios” a Deus (cf. Hb 5,1; 8,3). Agora sabemos que era o Espírito Santo que colocava no coração do Verbo feito carne o grito “Abba”! que encerra toda a sua oração. Lucas observa explicitamente quando escreve: “Naquela mesma hora Jesus exultou de alegria no Espírito Santo e disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra…” (cf. Lc 10, 21). A própria oferta do seu corpo em sacrifício na cruz aconteceu, segundo a Carta aos Hebreus, “em um Espírito eterno” (Hb 9, 14), isto é, por um impulso do Espírito Santo.

São Basilio tem um texto esclarecedor.

” O caminho do conhecimento de Deus procede do único Espírito, através do único Filho, até o único Pai; inversamente, a bondade natural, a santificação segundo a natureza, a dignidade real, se difundem do Pai, por meio do Unigênito, até o Espírito[6]”.

Em outras palavras, a ordem da criação, ou da saída das criaturas de Deus, parte do Pai, passa através do Filho e chega a nós no Espírito Santo. A ordem do conhecimento ou do nosso retorno a Deus, do qual a liturgia é a expressão mais alta, segue o caminho oposto: parte do Espírito, passa através do Filho e termina no Pai. Essa visão descendente e ascendente da missão do Espírito Santo está presente também no mundo latino. O beato Isaac de Stella (sec. XII), expressa em termos muito próximos aos de Basílio:

“Como as coisas divinas desceram a nós pelo Pai, pelo Filho e o Espírito Santo, ou no Espírito Santo, então, as coisas humanas sobem ao Pai por meio do Filho, e [no] Espírito Santo[7]”.

Não se trata, como podemos ver, de ser, por assim dizer, o torcedor de uma ou de outra das três pessoas da Trindade, mas de salvaguardar o dinamismo trinitário da liturgia. O silêncio sobre o Espírito Santo, inevitavelmente, atenua o caráter trinitário da liturgia. Por isso parece-me particularmente oportuno a chamada que São João Paulo II fazia na Novo Millennio Ineunte:

“Obra do Espírito Santo em nós, a oração abre-nos, por Cristo e em Cristo, à contemplação do rosto do Pai. Aprender esta lógica trinitária da oração cristã, vivendo-a plenamente sobretudo na liturgia, meta e fonte da vida eclesial, mas também na experiência pessoal, é o segredo dum cristianismo verdadeiramente vital, sem motivos para temer o futuro porque volta continuamente às fontes e aí se regenera[8]”.

3. A adoração “no espírito”

Vamos tentar tirar, a partir dessas premissas, algumas orientações práticas para o nosso modo de viver a liturgia e fazer que ela execute uma das suas principais tarefas, que é a santificação das almas. O Espírito Santo não autoriza inventar novas e arbitrárias formas de liturgia ou modificar de própria iniciativa aquelas existentes (tarefa que cabe a hierarquia). Ele é o único, no entanto, que renova e dá vida a todas as expressões da liturgia. Em outras palavras, o Espírito Santo não faz coisas novas, mas faz novas as coisas! A palavra de Jesus repetida por Paulo: “É o Espírito que dá vida” (Jo 6, 63; 2 Cor 3, 6) aplica-se principalmente à liturgia.

O apóstolo exortava os fiéis a orar “no Espírito” (Ef 6:18; cf. também Judas 20). O que significa orar no Espírito? Significa permitir que Jesus continue a exercer o próprio ofício sacerdotal no seu corpo que é a Igreja. A oração cristã se torna uma extensão no corpo da oração do chefe. É conhecida a afirmação de Santo Agostinho:

“Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é aquele que reza por nós, reza em nós e que é rezado por nós. Reza por nós como nosso sacerdote, reza em nós como nosso chefe, é rezado por nós como nosso Deus. Reconheçamos, portanto, nele, a nossa voz, e em nós a sua voz[9]”.

A esta luz, a liturgia nos aparece como o “Opus Dei”, a “obra de Deus”, não só porque tem Deus por objeto, mas também porque tem Deus como sujeito; Deus não é só rezado por nós, mas reza em nós. O mesmo grito, Abbá! que o Espírito, vindo a nós, dirige ao Pai (Gl 4, 6; Rm 8, 15) mostra que quem reza em nós, pelo Espírito, é Jesus, o Filho único de Deus. Por si mesmo, de fato, o Espírito Santo não poderia dirigir-se a Deus, chamando-o Abbá, Pai, porque ele não é “gerado”, mas somente “procede” do Pai. Se pode fazê-lo é porque é o Espírito de Cristo que continua em nós a sua oração filial.

E, especialmente, quando a oração torna-se cansaço e luta é que se descobre toda a importância do Espírito Santo para a nossa vida de oração. O Espírito se torna, então, a força da nossa oração “fraca”, a luz da nossa oração apagada; em uma palavra, a alma da nossa oração. Verdadeiramente, ele “irriga o que é árido”, como dizemos na sequência em sua honra.

Tudo isso acontece por fé. Basta eu dizer ou pensar: “Pai, tu me deste o Espírito de Jesus; formando, portanto, “um só Espírito” com Jesus, eu recito este Salmo, celebro esta santa missa, ou estou simplesmente em silêncio, aqui em sua presença. Quero dar-te aquela glória e aquela alegria que te daria Jesus, se fosse ele a orar ainda da terra”.

O Espírito Santo vivifica especialmente a oração de adoração que é o coração de toda oração litúrgica. A sua peculiaridade deriva do fato de que é o único sentimento que podemos alimentar única e exclusivamente para com as pessoas divinas. É o que distingue o culto de latria do culto de dulia reservado aos santos e de hiperdulia reservado à Santa Virgem. Nós veneramos Nossa Senhora, não a adoramos, ao contrário do que algumas pessoas pensam dos católicos.

A adoração cristã é também trinitária. É trinitária no seu desenvolvimento, porque é adoração feita “ao Pai, por meio do Filho, no Espírito Santo”, e é trinitária no seu fim, porque é adoração feita junto “ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”.

Na espiritualidade Ocidental, quem desenvolveu mais a fundo o tema da adoração foi o cardeal Pierre de Bérulle (1575-1629). Para ele, Cristo é o perfeito adorador do Pai, que precisa unir-se para adorar a Deus com uma adoração de valor infinito[10]. Escreve:

“Desde toda a eternidade, havia um Deus infinitamente adorável, mas não havia ainda um adorador infinito; […] Tu es agora, oh Jesus, este adorador, este homem, este servidor infinito por potência, qualidade e dignidade, para satisfazer plenamente este dever e fazer esta homenagem divina[11]”.

Se existe uma lacuna nesta visão, que também deu à Igreja belos frutos e moldou a espiritualidade francesa por séculos, essa é a mesma que temos colocado em destaque na constituição do Vaticano II: a pouca atenção dada ao papel do Espírito Santo. Do Verbo encarnado, o discurso de Bérulle muda para a “corte real” que o segue e o acompanha: a Santa Virgem, João Batista, os apóstolos, os santos; falta o reconhecimento do papel essencial do Espírito Santo.

Em qualquer movimento de retorno a Deus, lembrou-nos São Basílio, tudo parte do Espírito, passa através do Filho e termina no Pai. Não basta, portanto, recordar de vez em quando que existe também o Espírito Santo; é necessário reconhecer-lhe o papel de elo essencial, tanto no caminho de saída das criaturas de Deus quanto no de retorno das criaturas a Deus. O abismo existente entre nós e o Jesus da história está cheio do Espírito Santo. Sem ele, tudo na liturgia é somente memória; com ele, tudo é também presença.

No livro do Êxodo, lemos que, no Sinai, Deus indicou para Moisés uma cavidade na rocha, e escondido no interior dela ele poderia contemplar a sua glória sem morrer (cf. Ex 33, 21). Comentando este passo, o próprio São Basílio escreve:

“Qual é hoje, para nós cristãos, aquela cavidade, aquele lugar, onde podemos refugiar-nos para contemplar e adorar a Deus? É o Espírito Santo! De quem aprendemos? Do próprio Jesus que disse: Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em Espírito e verdade![12]”

Que perspectivas, que beleza, que poder, que atração tudo isso dá ao ideal da adoração cristã! Quem não sente a necessidade de esconder-se de vez em quando, no vórtice rodopiante do mundo, naquela cavidade espiritual para contemplar a Deus e adorá-lo como Moisés?

4. Oração de intercessão

Junto com a adoração, um componente essencial da oração litúrgica é a intercessão. Em toda a sua oração, a Igreja não faz mais do que interceder: por si mesma e pelo mundo, pelos justos e pelos pecadores, pelos vivos e pelos mortos. Também esta é uma oração que o Espírito Santo quer animar e confirmar. Dele São Paulo escreve:

“Outrossim, o Espírito vem em auxílio à nossa fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis. E aquele que perscruta os corações sabe o que deseja o Espírito, o qual intercede pelos santos, segundo Deus. “(Rm 8, 26-27).

O Espírito Santo intercede por nós e nos ensina a interceder, por sua vez, pelos outros. Fazer oração de intercessão significa unir-se, na fé, a Cristo ressuscitado que vive em um estado constante de intercessão pelo mundo (cf. Rm 8, 34; Heb 7, 25; 1 João 2, 1). Na grande oração com a qual concluiu a sua vida terrena, Jesus nos oferece o exemplo mais sublime de intercessão.

“Rogo por eles, por aqueles que me deste. […] Guarde-os no teu nome. Não peço que os tires do mundo, mas que os pretejas do mal. Consagra-os na verdade. […] Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim… “(Jo 17, 9ss).

Do Servo Sofredor se diz, em Isaías, que Deus lhe dá em prêmio as multidões “porque carregava os pecados de muitos e intercedia pelos pecadores” (Is 53, 12): Essa profecia encontrou o seu perfeito cumprimento em Jesus que, na cruz, intercede pelos seus executores (cf. Lc 23, 34).

A eficácia da oração de intercessão não depende de “muitas palavras” (cf. Mt 6, 7), mas do grau de união que se consegue ter com as disposições filiais de Cristo. Mais do que as palavras de intercessão, deve-se, pelo contrário, multiplicar os intercessores, ou seja, invocar a proteção de Maria e dos Santos. Na festa de Todos os Santos, a Igreja pede a Deus para ser ouvida “pela abundância dos intercessores” (“multiplicatis intercessoribus”).

Multiplicam-se os intercessores até quando se rezam uns pelos outros. Diz Santo Ambrósio:

“Se você orar por você, só você vai orar por você, e se cada um só reza por si, a graça que alcança será menor com relação àquele que intercede pelos outros. Ora, dado que os indivíduos rezam por todos, acontece também que todos rezam pelos indivíduos. Portanto, para concluir, se você reza somente por você, você é o único que reza por você. Mas se, pelo contrário, você reza por todos, todos rezarão por você, estando você no meio daqueles todos[13]”.

A oração de intercessão é, portanto, agradável a Deus, porque é mais livre de egoísmo, reflete mais de perto a gratuidade divina e está de acordo com a vontade de Deus, que quer “que todos os homens sejam salvos” (cf. 1 Tm 2, 4). Deus é como um pai compassivo que tem o dever de punir, mas que tenta todas as desculpas possíveis para não ter que fazê-lo e é feliz, em seu coração, quando os irmãos do culpado conseguem detê-lo dessa punição.

Se faltam esses braços fraternos estendidos a Deus, Ele próprio reclama disso na Escritura: “Ele viu que não havia ninguém, maravilhou-se porque ninguém intercedia” (Is 59, 16). Ezequiel transmite-nos esta lamentação de Deus: “Busquei entre eles um homem que levantasse um muro e se colocasse na brecha perante mim, para defender o país, para que eu não o devastasse, porém não o encontrei” (Ez 22, 30).

A palavra de Deus enfatiza o extraordinário poder que tem junto a Deus, pela sua própria disposição, a oração daqueles que Ele colocou no comando do seu povo. Diz-se em um salmo que Deus havia decidido exterminar o seu povo por causa do bezerro de ouro, “se Moisés não tivesse se interposto diante dele para evitar a sua ira” (cf. Sl 106, 23).

Aos pastores e guias espirituais ouso dizer: quando, na oração, vocês sentirem que Deus está zangado com o povo que vos foi confiado, não tomem rapidamente o partido de Deus, mas do povo! Assim fez Moisés, até o ponto de protestar e de querer ser riscado, ele próprio, com eles, do livro da vida (cf. Ex 32, 32), e a Bíblia deixa claro que isto era justamente o que Deus queria, porque ele “abandonou a intenção de prejudicar o seu povo”. Quando se está diante do povo, então, devemos dar razão, com toda a força, a Deus. Quando Moisés, pouco depois, encontrou-se na frente do povo, então se acendeu a sua ira: esmagou o bezerro de ouro, dispersou o pó na água e fez as pessoas engolirem a água (cf. Ex 32: 19ss). Somente aquele que defendeu o povo diante de Deus e carregou o peso do seu pecado, tem o direito – e terá a coragem –, depois, de brigar com o próprio povo, em defesa de Deus, como fez Moisés.

Terminemos proclamando juntos o texto que melhor reflete o lugar do Espírito Santo e a orientação trinitária da liturgia, que é a doxologia final do cânon romano: “Por Cristo, com Cristo e em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e glória, agora e para sempre. Amém”.

Tradução Thácio Siqueira, ZENIT

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