Coluna da semana

Padre analisa prática da corrupção: "pecado pessoal e social"

No artigo deste mês, padre Mário Marcelo analisa a prática da corrupção à luz da doutrina católica, retomando o que tem dito o Papa Francisco sobre o assunto

Padre Mário Marcelo Coelho, scj
Doutor em Teologia Moral

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Padre Mário Marcelo / Foto: Arquivo

O mal da corrupção

Corrupção vem do latim corruptus, que significa quebrado em pedaços; que dá a ideia de decomposição, putrefação, desmoralização e suborno. O verbo corromper significa “tornar pútrido”, “podre”, e em sentido moral: “moralmente degradado”. A corrupção pode ser definida como a utilização do poder ou da autoridade para conseguir obter vantagens, fazer uso do bem comum de forma indevida e utilizar o dinheiro público para o seu próprio interesse ou de outros que lhe interessam. A corrupção, de modo geral, é crime.

A corrupção pode ser caracterizada de várias formas: favorecer alguém prejudicando outros; aceitar e solicitar recursos financeiros para obter um determinado serviço público; fazer retirada de multas; favorecer licitações para determinada empresa (também conhecido por propina); desviar verbas públicas, dinheiro destinado para um fim público; etc.

Muitos daqueles que criticam os políticos pela corrupção também acabam cometendo atos que envolvem algum tipo de corrupção na vida particular, como tentar tirar vantagem pessoal nos negócios; furar fila ou fazer fila dupla; usar do poder para beneficiar-se; danificar as tubulações de água para abastecer-se de forma fraudulenta; fazer ligações elétricas clandestinas, também chamadas de “gatos”; beneficiar-se, no mundo da política partidária, na compra e venda de votos; etc. São pequenos atos que aparentemente não são graves, mas a conduta é ilícita e ilegal. Muitas vezes, a sensação de impunidade tende a fazer com que as pessoas fiquem mais relaxadas e acabam se educando para a cultura da corrupção, ou seja, quem tem predisposição para uma atividade corrupta se sente mais livre, acreditando que não vai haver punição. A corrupção não se fecha em si mesma, ela cresce como um arbusto e vai criando raízes na sociedade.

O Catecismo da Igreja Católica coloca a corrupção no âmbito do respeito pelos bens alheios, fundamentando-se no sétimo mandamento: Não roubarás (CEC, 2408-2410): “Todo o processo de tomar e de reter injustamente o bem do outro, mesmo que não contrarie as disposições da lei civil, é contrária ao sétimo mandamento” (CEC, 2409). Além disso, o Catecismo apresenta de modo concreto tudo aquilo que é sinal de deliberado desrespeito pelos bens do próximo: “Reter deliberadamente bens emprestados ou objetos perdidos; cometer fraude no comércio; pagar salários injustos; subir os preços especulando com a ignorância ou a necessidade dos outros”; e acrescenta também outros comportamentos moralmente ilícitos: “a especulação que manobra o sentido de variação artificial dos bens para tirar vantagem em detrimento de outrem; a corrupção, que desvia o juízo daqueles que devem tomar decisões segundo o direito; a apropriação e o uso privado de bens sociais de uma empresa; os trabalhos mal executados; a fraude fiscal; a falsificação de cheques e faturas; as despesas excessivas; o desperdício”, e culmina com uma nota ao prejuízo criado nos bens privados ou públicos, exigindo o justo direito à restituição: “Causar voluntariamente um prejuízo em propriedades privadas ou públicas é contra a lei moral e exige reparação”.

Para o Papa Francisco, quando alguém entra no caminho da corrupção, “rouba a vida, usurpa e se vende”. O Papa afirma ainda que existem três tipos de corrupção: a política, a dos negócios e a eclesiástica. Todos os três fazem mal aos inocentes e aos pobres, porque são eles que pagam a festa dos corruptos! A eles vai a conta.

Deve-se cuidar, pois a corrupção pode se diluir na sociedade, tornar-se anônima ao ponto de ninguém sentir-se responsabilizado. Não existe corrupção sem corruptos, assim como não existe pecado sem pecador. A corrupção só existe, porque existem pessoas corruptas. A pessoa corrupta tem nome, identidade, é preciso identificá-la e responsabilizá-la. A corrupção é um pecado pessoal e social. Pessoas constroem estruturas e são por elas mantidas e condicionadas.

Segundo o Papa Francisco, “o corrupto irrita Deus e faz o povo pecar!”. O corrupto “escandaliza a sociedade, o povo de Deus, explora aqueles que não podem se defender, escravizam. As aves do céu vão devorar você. O corrupto se vende para fazer o mal, mas ele não sabe: ele acredita que se vende para ter mais dinheiro, mais poder, vende-se para fazer o mal, para matar. Para os corruptos, existe só uma saída: pedir perdão para não serem amaldiçoados por Deus”. Destaca o Papa: “A porta de saída para os corruptos, para os políticos corruptos, para os empresários corruptos e para os eclesiásticos corruptos é pedir perdão!”. E acrescenta: “O Senhor perdoa, mas perdoa quando os corruptos fazem o que fez Zaqueu: ‘Eu roubei, Senhor! Vou dar quatro vezes o que eu roubei!’ Condenar os corruptos, sim”, concluiu o Papa, “pedir a graça para não se tornar corruptos, sim!” e “também rezar pela conversão deles!”

A corrupção desumaniza o ser humano. A pessoa corrupta que faz acordos corruptos ou governa corruptamente ou se associa com outros para negócios corruptos, rouba as pessoas. Uma sociedade corrupta sacrifica em especial os pobres, que depende puramente dos serviços públicos como a saúde, educação, alimentação, previdência, etc.

A corrupção deve ser rechaçada da sociedade, um “demônio” que precisa ser expulso, destruído. Daqui surge a pergunta: o que podemos fazer para lutar contra a corrupção?

O Papa Bento XVI, na encíclica Caritas in Veritate (Caridade em verdade) afirma que: “Só um humanismo aberto ao Absoluto pode guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e civil – no âmbito das estruturas, das instituições, da cultura, do ethos – preservando-nos do risco de cairmos prisioneiros das modas do momento”. Assim, a relação com Deus inunda todas as relações em que vivemos, não como um objeto estranho, mas como Alguém que lhes dá mais vida, maior verdade: “O amor de Deus chama-nos a sair daquilo que é limitado e não definitivo, dá-nos coragem de agir continuando a procurar o bem de todos”, e acrescenta: “Deus dá-nos a força de lutar e sofrer por amor do bem comum, porque Ele é o nosso Tudo, a nossa esperança maior”.

O conceito da transformação social, por meio do encontro com Deus, vem ao encontro do pensamento da Guadium et spes (documento social do Vaticano II) quando descreve que os desequilíbrios sociais “estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se radica no coração do homem” (GS 10). Nessa linha de pensamento, a Gaudium et spes professa a necessidade de transformar a sociedade a partir da fé, “porque a fé ilumina todas as coisas com uma luz nova” (GS 11), possível quando se valorizar a pessoa humana em sua dignidade e em sua totalidade (GS 12). Isso só é possível em corações santificados pela mística e pela espiritualidade do Evangelho. Corações santificados não se deixam corromper e são capazes de lutar para expulsar o mal, em particular da corrupção, da sociedade.

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