Artigo

Entenda a dimensão bíblica do trabalho

 “É a pessoa, pela sua dignidade de filho de Deus quem dignifica o trabalho, seja ele qual for, não o inverso…”, afirma padre

Padre Antonio Aparecido Alves*

Em sua etimologia a palavra “trabalho” vem do latim “tripalium”, um instrumento formado por três paus afiados que era utilizado na agricultura para bater o trigo e depois começou a ser usado pelos romanos como instrumento de tortura para os inimigos do Império. Assim, o “trabalho” incorporou essa concepção negativa, entendido como fadiga e cansaço, algo a não ser realizado por homens livres.

Entre os gregos o trabalho braçal era visto como algo próprio dos animais e por isso o cidadão não trabalhava, mas se dedicava a atividades intelectuais. Aristóteles dizia que existe na cidade um grupo de homens cuja única utilidade, como a dos animais domésticos, é serem escravizados, isto é, utilizar sua força física para prover às necessidades diárias dos cidadãos, que não devem de modo algum dedicarem-se a esse tipo de atividade braçal ou ao comércio, por força da virtude racional de que são possuidores (Aristóteles. Política. Livro II, cap. II; Livro IV, cap. VIII).

A novidade da Revelação judeu-cristã

A Sagrada Escritura se abre mostrando Deus trabalhando na criação do universo, do homem e da mulher (Gn 1 e 2), confiando ao primeiro casal o dever de zelar pelo criado (Gn 1,28; 2,5-6.15). É preciso salientar que esse mandamento do trabalho é anterior à sua queda (Gn 3,6-8), não sendo, portanto, um resultado do pecado original, embora esse tenha atingido também esta dimensão da existência humana, expresso de forma plástica no texto ao dizer que “a terra será árida” (Gn 4,12) e “comerás com o suor do teu rosto” (Gn 3,17.19). Esta é uma dimensão à qual deve chegar também a força redentora da cruz de Cristo, pois o pecado das origens não atingiu somente a “alma”, mas todos os âmbitos da existência do ser humano e todo o criado.

Jesus, por sua vez, afirmou que “meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho” (Jo 5,17) e era conhecido como “o filho do carpinteiro” (cf. Mt 13, 55; Mc 6, 3), tendo certamente exercido essa profissão. Em sua pregação Ele condenou o comportamento do servo preguiçoso, que não trabalhou para multiplicar o talento a ele confiado e louvou o servo aplicado em cumprir a tarefa que lhe fora confiada (cf. Mt 24, 46).

O grande desafio para os primeiros cristãos foi o de viver essa novidade do valor do trabalho em meio a uma sociedade estratificada, onde este era prerrogativa dos escravos e era visto como indigno. Na comunidade grega de Tessalônica o apóstolo Paulo se deparou com essa questão, pois alguns se recusavam a trabalhar e invocavam a iminência do fim dos tempos para justificarem essa atitude. O apóstolo foi enérgico com os ociosos, apresentando o exemplo que ele mesmo deu de trabalhar enquanto esteve entre eles e lembrando que lhes dizia que se alguém não quisesse trabalhar, também não deveria comer. A esses ordenou que se dedicassem com alegria ao trabalho para comerem seu próprio pão (2 Tes 3,6-12).

Os Padres da Igreja (séc. I-IV) nunca consideraram o trabalho como “opus servile” (obra servil), mas sempre como “opus humanum” (obra humana), porque relacionado com o mandamento divino dado ao primeiro casal. Santo Ambrósio (séc. IV), por exemplo, afirmou: “Cada trabalhador é a mão de Cristo que continua a criar e a fazer o bem” (Santo Ambrosio. De obitu Valentiniani consolatio, 62: PL 16,1438).

Enfim, temos na revelação judeu-cristã uma apreciação positiva do trabalho, que é visto como participação na obra criadora de Deus. No entanto, é a pessoa, pela sua dignidade de filho de Deus quem dignifica o trabalho, seja ele qual for, não o inverso, isto é, o trabalho valorizando a pessoa, fazendo assim uns serem mais importantes que outros.

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*Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br

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